– 1º Governador do Território Federal do Rio Branco
Ene Garcez foi o 1º Governador do então Território Federal do Rio Branco, nomeado pelo Presidente Getúlio Dornelles Vargas, através do Decreto-lei n.º 5.839 de 21 de setembro de 1943. Chegou a Boa Vista, a bordo de um avião Catalina, hidroavião, pousando nas águas do rio Branco, em frente ao Porto do Cimento (onde hoje está a Orla Taumanã), na Praça Capitão Fábio Barreto Leite, às 10 horas do dia 20 de junho de 1944.
A comitiva do governador Ene Garcez era composta por sua esposa Dulce Aleixo dos Reis, e mais o professor Mário Homem de Melo (primeiro prefeito de Boa Vista – quando da criação do Território Federal do Rio Branco), do tenente Paulo Sóter da Silveira (secretário- geral), do Tenente João Batista da Silva (radioamador), do médico Silvio Botelho e do sanitarista Dr. Durval Araújo Cavalcante.
Enê Garcez dos Reis nasceu em 1914, no Rio de Janeiro, filho e neto de generais do Império e da República. Era militar e pertenceu à Arma de Infantaria, tendo servido em Cáceres (Mato Grosso) como voluntário, no posto de Tenente. Em 1940 serviu, por 2 anos, em uma Companhia de Fronteiras em Porto Velho (atual Estado de Rondônia). Essas experiências em áreas de fronteiras despertaram seu interesse pelos problemas dessas regiões, passando a estudá-los. Em Porto Velho, conheceu o então presidente Getúlio Vargas, com quem conversou sobre essas questões.
Em 1942, após o término de seus 2 anos de serviço, solicitou servir no Batalhão de Guardas Presidenciais do Palácio do Catete (RJ). Este Batalhão também era responsável pela guarda do Palácio Guanabara (então residência oficial do Presidente da República) e do Palácio Rio Negro (residência de verão da Presidência) em Petrópolis.
No Palácio Rio Negro, o ocupante da função de oficial-de-dia (responsável pelo corpo militar em serviço no dia) era convidado por Vargas para almoçar. Ao exercer a função, Garcez almoçou diversas vezes com Vargas, que o reconhecera. O presidente retomou a conversa sobre os problemas daquelas regiões, relatando a Garcez sua ideia de desmembrar alguns estados e criar os territórios federais.
Em 14/06/1943, Garcez foi nomeado Ajudante de Ordens de Vargas. Nessa época, foram criados os territórios federais do Amapá, Guaporé, Iguaçu e Rio Branco, e nomeados os militares que iriam governá-los, ficando, no entanto, sem governador o Território Federal do Rio Branco (hoje o Estado de Roraima).
O Presidente da República Getúlio Dorneles Vargas, relatou a Ene Garcez não saber quem nomear para o cargo, e este se ofereceu então para ocupar a posição. Assim, em 17/04/1944, foi nomeado Governador do Território Federal do Rio Branco. A nomeação de Garcez deveu-se a sua experiência na região, sua capacidade profissional e a sua relação direta com Vargas.
Ene Garcez foi nomeado governador no dia 17/04/1944, mas só veio para Boa Vista no dia 20 de junho, devido as dificuldades de transporte naquele ano.
Em seu discurso inicial, quando tomou posse, Ene Garcez proferiu a seguinte frase: “Coube-nos a honra da primeira investidura como Governador. Não vemos no cargo as vantagens que poderíamos usufruir; antes, encaramo-lo como a mais árdua e espinhosa missão que temos recebido até agora. Aceitamo-la porque confiamos no vosso desejo de progredir e porque confiamos no Vosso profundo sentimento de brasilidade”.
Ene Garcez realizou nesta terra as primeiras obras estruturais para consolidação da nova unidade nacional – O Território Federal do Rio Branco. Dentre suas realizações podemos citar: A implantação do primeiro “Plano Diretor da cidade de Boa Vista”, e o idealizador, junto ao urbanista Darci Derenusson, pelo formato do Centro Cívico em forma de leque para onde convergem, praticamente, todas as ruas de Boa Vista.
O capitão Ene Garcez dos Reis, construiu um novo Quartel, no Bairro Caxangá (próximo à Rua Professor Diomedes) onde hoje está o quartel da Polícia Militar com o “Comando de Policiamento da Capital (CPC), na hoje Rua Cerejo Cruz em frente à Escola Colméia, e construiu a primeira vila militar, ao lado daquele quartel. O quartel construído pelo Ene Garcez, posteriormente, em 1952, foi transformado em 1º Pelotão de Fronteira do Exército, subordinado ao Grupamento de Elementos de Fronteira (GEF) de Manaus. E, no dia 20 de abril de 1961, através do Decreto nº 50.480, o Pelotão de Fronteira foi transformado na 9ª Companhia de Fronteira (CIA FRON). E, em 1975, com a criação da Polícia Militar de Roraima, esta passou ocupar aquele Quartel, passando muitos anos como Quartel-Geral da Polícia Militar, até a construção do atual Quartel Geral, na Avenida Ene Garcez dos Reis.
Voltando à história propriamente dita do governador Ene Garcez, ainda no início de 1945, construiu e fez funcionar a primeira unidade de ensino do Território Federal do Rio Branco (Roraima), o Grupo Escolar Lobo D´Almada, e contratou os primeiros professores: Jacobede Cavalcante de Oliveira, Isnal Barbosa Andrade e Lindalva da Silva Liberato, que ensinaram as primeiras letras aos 318 alunos boa-vistenses, que era o total de alunos matriculados no primeiro ano de atividade do grupo escolar.
No setor de Saúde Pública, foi atendido durante sua gestão, que durou um ano, 3.675 pessoas e hospitalizados 133. Admitiu, na função de médico, o Dr. Sílvio Lofêgo Botelho.com um salário de Cr$ 3. 000,00 (três mil cruzeiros), e o nomeou como Diretor da Divisão de Assistência à Maternidade e à Infância-DAMI (a primeira maternidade de Boa Vista), onde hoje funciona a Seplan-Secretaria Estadual de Planejamento-, na Rua Coronel Pinto, Centro.
Mesmo enfrentando as dificuldades de transportes, devido os problemas da 2ª Guerra Mundial, Ene Garcez, embora sem máquina ou tratores, iniciou e concluiu o serviço de desmatamento até o rio Mucajai, como primeiro passo para a construção da rodovia que ligaria, futuramente, Boa Vista – Mucajaí – Caracaraí.
No setor de comunicações, encomendou dos Estados Unidos, e instalou no Território 11 (onze) estações de rádio que ligariam todos os pontos do Território. Viabilizou a primeira linha regular de avião internacional para Boa Vista, no percurso Caracas – Boa Vista, e também trouxe a linha aérea Cruzeiro do Sul que vinha do Rio de Janeiro de 15 em 15 dias. Isto sem falar nos barcos comprados para transportes de mercadorias e de pessoas.
Ene Garcez conseguiu, junto à Prelazia, um mimeógrafo e viabilizou a publicação de um documento que chamou de “Órgão Oficial”, e o fez circular a primeira vez no dia 24 de julho de 1944. O documento, depois de datilografado (pelo servidor público, o jovem à época Waldir Abdala), era então rodado no mimeógrafo, e depois de pronto enviado à prefeitura e às poucas Divisões (nome que se dava as “Secretarias”) de seu governo. Posteriormente o público tomava ciência dos “Atos e Portarias do Governo do Território”, anunciados pelos alto-falantes instalados em cima da primeira Caixa-d’água (no local ao lado do IBGE, na Avenida Getúlio Vargas.
Convidou para dirigir a “Imprensa Oficial” o senhor Geraldo Guimarães Moreira (o Tenente Guimarães), que não era jornalista, mas demonstrava um bom conhecimento da língua portuguesa e que contava com certa experiência na arte da impressão. Como auxiliar convidou o senhor Amaral Peixoto, que lhe foi de grande ajuda para cumprir a missão.
Começava assim, mesmo de forma rudimentar, a primeira publicação governamental do Território: O Órgão Oficial. Esta publicação servia também para a divulgação dos trabalhos da Prefeitura de Boa Vista. O de nº 29, que circulou no dia 11 de janeiro de 1945, trazia um edital do prefeito Mário Homem de Melo: “Somente os comerciantes de secos e molhados a varejos, poderão abrir suas casas, às 06 horas e fechar às 18 horas”. O edital havia sido levado para a Imprensa Oficial pelo senhor Gustavo Mesquita – Secretário Geral da Prefeitura.
E, o “Órgão Oficial” (Diário Oficial) de nº 40, datado de 26 de março de 1945, publicou a Lei que “Dispõe sobre a regulamentação da Polícia do Território Federal do Rio Branco”- conhecida como Guarda Territorial que depois seria extinta em 1975 pelo governador da época, o coronel Fernando Ramos Pereira. O governador, Ramos Pereira, após extinguir a Guarda Territorial, em ato contínuo criou a Polícia Civil e a Polícia Militar do Território Federal de Roraima.
DULCE ALEIXO DOS REIS, a 1ª Dama do Território Federal do Rio Branco.
Neste texto, se faz necessário um intervalo e adendo para falar sobre a senhora Dulce Aleixo dos Reis, esposa do Governador Ene Garcez dos Reis. Dulce nasceu no Rio de Janeiro em 1914, filha de pais, português: José Aleixo e Maria Quintas. Namorou 10 anos com o tenente Ene Garcez e casaram-se em 1940.
O casal ao chegar à Boa Vista, sem casa para morar, foi viver no prédio da Prelazia, na Rua Bento Brasil, centro. O quarto do casal era o próprio gabinete de despachos. A divisão foi feita por armários emprestados. Durante sua permanência na Prelazia, tudo era muito difícil. O banheiro era compartilhado, e a noite e prédio ficava cheio de morcegos. A alimentação da família era feita por dona Dulce na cozinha da Prelazia. A alimentação era muito pobre: couve, arroz e feijão. Não havia frutas ou verduras. Como era dura a vida do governador nos anos 1944/45.
Com o filho pequeno para cuidar, Dulce não deixou de acompanhar o marido. Em Boa vista, dedicou-se ao setor social. Montou um curso de Puericultura e ensinou sobre arte de cuidar de filhos recém nascidos. Para intensificar os cuidados que uma mãe deve ter com os filhos, Dulce contratou médicos, enfermeiras e auxiliares. Na estrutura da saúde montada pelo governador surgiu a DAM- Divisão de Assistência a Maternidade e Infância-, onde as mães tinham muito mais assistência ao lado de seus filhos recém-nascidos.
A educação também mereceu atenção especial. A senhora Dulce Aleixo passou a administrar a merenda escolar. Só havia duas escolas: Uma pública (Grupo Escolar Lobo DÁlmada”, construído na Avenida Jaime Brasil), e outra dos padres (a Escola São José, na Rua Floriano Peixoto, Centro).
Dulce Aleixo, com o seu trabalho, ajudou o marido com incentivos no belo traçado urbano de Boa Vista, orgulho de todos os roraimenses.
Após o término do governo do marido, neste Território, o casal retornou ao Rio de Janeiro. Dulce estava grávida do seu 2º filho, o Enon. Depois dessa experiência no governo, Dulce Aleixo passou apenas administrar o seu Lar, com a família, onde residia no bairro Vila Isabel.
Ene Garcez deixou o governo em 21 de julho de 1945, viajando com sua esposa dona Dulce Aleixo dos Reis, no avião “Uirapuru”, que veio diretamente do Rio de Janeiro para apanhá-lo, inaugurando assim a primeira viagem de um avião de carreira neste Território. Ene Garcez ao voltar pro Rio de Janeiro, continuou sua carreira militar, ocupando cargos junto à Presidência da República. Em 1946, após a deposição do Presidente Getúlio Varga, Ene Garcez foi exonerado, mas, continuou na atividade militar.
Em 1951, com a eleição vitoriosa de Getúlio Vargas para Presidente da República, o major Enê Garcez foi novamente chamado para trabalhar com o presidente, passando a ocupar os cargos de Chefe de Pessoal da Presidência da República (responsável, inclusive, pela Guarda Pessoal de Vargas) e de Chefe do Serviço de Transportes da Presidência.
Em 1956, Ene Garcez esteve à disposição do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, como Chefe do Serviço de Radiopatrulha do Distrito Federal. Em 1962 esteve à disposição da Companhia Siderúrgica Nacional. E, em 1964, no início do período militar na Presidência da República, Ene Garcez – que havia sido promovido ao posto de Coronel, passou para a Reserva militar no posto de General de Brigada.
O casal Ene Garcez e Dulce Aleixo Dulce dos Reis, teve 6 filhos: Dulene, Enon e Ene Jr. (estes, seguiram a carreira militar como o pai), e as filhas: Kelíbia e Dulce Maria (são biólogas) e Alcione (fonoaudióloga) e lhe deram 17 netos.
Dulce foi à 1ª das Primeiras-Damas e Roraima deve muito à essa mulher, pela sua coragem e pelo seu trabalho social e educativo em Boa Vista.
Em 1964, o então governador do Território Federal de Roraima o coronel Dilermando Cunha da Rocha, denominou de “Avenida Capitão Ene Garcez” a antiga Avenida 13 de Setembro. Esta avenida nasce no Centro Cívico, passa ao lado do Terminal de Ônibus “Luís Canuto Chaves”, e segue direto até o Aeroporto.
Ene Garcez faleceu de insuficiência respiratória no Rio de Janeiro, às 21 horas do dia 06 de fevereiro de 2000.