Escândalo da morte de um bebê por dia que não chama mais a atenção da sociedade
Jessé Souza*
No aniversário de 39 anos da Folha de Boa Vista, no ano passado, escrevi sobre as mortes dos bebês no berçário do Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth, ocorridas em outubro de 1996, fato que marcou minha carreira por ter denunciado inicialmente a morte de 22 recém-nascidos nos primeiros 20 dias de outubro daquele ano, um escândalo sem precedentes na saúde pública do país.
Naquele momento, o Brasil descobriu que não só em Roraima morriam bebês por infecção hospitalar, mas também em muitos hospitais país afora. Então, este “furo de reportagem” ajudou a salvar a vida de muitos bebês não somente na maternidade pública roraimense, mas também na rede pública brasileira em todos os estados, uma vez que a grande imprensa fez ampla cobertura do episódio em Roraima, enviando correspondentes que acompanharam tudo de perto.
Quase quatro décadas depois, os recém-nascidos continuam morrendo aos montes na maternidade pública estadual, só que, desta vez, em uma estrutura improvisada debaixo de lonas, enquanto a maternidade passa por uma interminável reforma desde 2021. E parece que o escândalo não é mais o mesmo, ou a denúncia não tem a mesma força de 40 anos atrás.
Nos primeiros 37 dias deste ano, os dados mostram que Roraima registrou 28 mortes de recém-nascidos, fato que já vinha sendo denunciado há quase uma semana nas redes sociais, depois qur profissionais da maternidade começarem a denunciar. Foi praticamente um bebê morrendo por mês, em uma situação muito semelhante há de quatro décadas. Só que, desta vez, não causando a mínima comoção social.
Trata-se de uma grave situação agravada por uma maternidade que passou a funcionar improvisada debaixo de lonas em uma estrutura improvisada, onde possivelmente a infecção hospitalar fica mais difícil de ser controlada. Desde junho de 2021 a maternidade foi transferida para o hospital de campanha que atendia pacientes da Covid-19, uma estrutura que sofre a cada chuva mais forte, com a água caindo do teto em cima das gestantes.
O que desperta a atenção é que o mesmo governo que gasta milhões com aluguel de prédios para abrigar secretarias sem sede física, deixa a única maternidade pública funcionando debaixo de uma estrutura precária, debaixo de lona, com as parturientes passando pelas mais duras adversidades. Então, as mortes dos bebês são consequência do descaso não só com a maternidade, mas com a saúde pública de uma forma geral.
A situação de 28 bebês mortos desde o primeiro dias deste ano até hoje é um escândalo, mas que não ganha nenhum destaque na mídia local, muito menos causa indignação na população, que está conformada após ter aprovado a sequência administrativa deste governo. Porém, algo precisa ser feito, a começar pelos órgãos fiscalizadores, os quais têm fechado os olhos quando se trata de cobrar o governo estadual.
*Colunista