Falas do passado e do presente que não deixam dúvidas sobre a corrupção sistêmica na saúde
Jessé Souza*
Em entrevista à Rádio Folha, na manhã deste domingo, a ex-prefeita Teresa Surita (MDB) falou sobre vários assuntos importantes como pré-candidata ao Governo do Estado. Mas, como a saúde pública tornou-se prioridade absoluta diante da pandemia (conforme vem repetindo esta coluna), então é necessário destacar o tema comentado por Teresa.
Não se trata de nenhuma novidade o que ela afirmou, além do que já foi dito aqui, neste espaço, e que já foi denunciado anteriormente por secretários de Saúde que se demitiram ou foram exonerados do cargo pelo governador Antonio Denarium (PP), no total de oito em três anos de governo. Porém, trata-se da fala de uma política importante no atual contexto e que tem informações sobre o que está ocorrendo.
Para que não haja dúvidas, eis a íntegra do trecho da fala dela: “Dentro da saúde, hoje, existe muita corrupção; e essa corrupção precisa terminar. Por que? É indicação de políticos – não o atual secretário, que eu tenho respeito muito grande por ele -, mas não tem nenhum serviço dentro da saúde, hoje, que não seja de uma empresa política indicada por algum deputado ou por algum senador para fazer determinado tipo de trabalho. E aí não vai ter dinheiro que chegue (…).
O primeiro secretário de Saúde a deixar o cargo, Ailton Wanderley, no quarto mês do primeiro ano de mandato de Denarium, foi bem explícito ao postar no seu perfil, no Facebook, uma nota se despedindo e na qual apontava corrupção dentro da Secretaria de Saúde, além de defender uma intervenção federal como forma de combater o grave problema. Vejamos o que ele escreveu:
– Enquanto forem permitidas empresas de deputados estaduais, federais e senadores vendendo serviços dentro da secretaria; enquanto for permitida uma cooperativa distribuindo plantões a quem não trabalha; enquanto forem permitidas famílias com poder político vendendo serviços dentro da secretaria; enquanto forem permitidos médicos concursados vendendo serviços para a secretaria; enquanto forem permitidos judicializar procedimentos para beneficiar um grupo de pessoas; haverá corrupção no governo.
Nota-se, ao ler o posicionamento do secretário demissionário Ailton Wanderley, postada em abril de 2019, e o que disse a ex-prefeita Teresa Surita, na entrevista deste domingo, percebe-se que as falas são semelhantes, as quais se refem a uma corrupção sistêmica em que a Saúde é atacada por interesses dos próprios políticos. E foi mais ou menos isso que um outro ex-secretário de Saúde, Allan Garcês (o quarto a deixar o cargo), afirmou ao ser exonerado pelo governador em um episódio cabuloso, em fevereiro de 2020.
Allan Garcês também foi para as redes sociais e deu entrevista à imprensa ameaçando fazer revelações bombásticas à Comissão Parlamentar Inquérito (CPI) da Saúde sobre o Governo do Estado e a respeito da corrupção na saúde estadual. Esta CPI foi aberta pela Assembleia Legislativa justamente após a denúncia de Ailton e as seguidas trocas de secretário. Porém, os trabalhos foram encerrados sem grandes novidades.
Nem mesmo os ex-secretários mantiveram suas palavras durante depoimento na CPI. em setembro de 2019, Wanderley se negou a citar nomes, enquanto Allan Garcês estranhamente não cumpriu a promessa de “soltar a bomba” prometida, em março de 2020. Porém, seu depoimento apontou situações importantes e que comprometiam a administração atual. Inclusive, disse que o irmão do governador Denarium se apresentou como intermediário de uma empresa que já estava sob investigação.
Conforme o depoimento, o irmão do governador queria que o então secretário pagasse uma das empresas que apresentava irregularidades no contrato para fornecimento de medicamentos de alto custo e insumos para o Estado. A intermediação foi feita em um cafeteria em Brasília, lugar para o qual o irmão do governador convidou o então secretário para conversar com o dono da empresa.
E disse mais: que dois deputados estaduais baterem à porta da Sesau para pleitear cargos e que o então o chefe da Casa Civil do Governo do Estado loteou a folha de pagamento da saúde pública. Porém, estranhamente, os membros da CPI amenizaram as denúncias e sequer cogitaram a possibilidade de convidar o governador a esclarecer as graves denúncias feitas por Allan Garcês. E fazendo malabarismo para livrar o governador de quaisquer constrangimento, a CPI foi encerrada após dois anos de trabalho.
Então, quase três anos depois do primeiro secretário demissionário ter denunciado uma corrupção sistema na saúde pública, e de tudo o mais que ocorreu, inclusive com operações da Polícia Federal que flagrou o caso do senador com dinheiro na cueca, a ex-prefeita Teresa Surita afirma categoricamente que tudo continua do mesmo jeito e que será um grande desafio resolver este problema. No meio de tudo isso, uma longa CPI que sequer mexeu nos esquemas apontados por ex-secretários.
Como reflexo de tudo o que vem ocorrendo, são 9 mil pessoas na fila de espera, aguardando por cirugias eletivas que deixaram de ser realizadas há dois anos, enquanto um médico vereador e o diretor do Hospital Geral de Roraima (HGR) trocam acusações na imprensa. E ainda temos onze meses do atual governo e, quem sabe, algo de extraordinário possa ocorrer – ou ao menos aliviar o sofrimento de quem não consegue atendimento médico adequado diante do grande volume de recursos que chegam para saúde.
Afinal, já sabemos que dinheiro tem… (os cofres do Estado estão cheios) e o que continua faltando é gestão – conforme a própria fala do governador, a qual foi o mote de sua campanha eleitoral vitoriosa.
*Colunista