Governo vai privatizar HGR, contratando empresa por meio de seleção no apagar das luzes deste ano
Jessé Souza*
Os órgãos de controle precisam estar atentos ao que está ocorrendo na saúde pública estadual, onde uma queda de braço entre os médicos e a gestão da Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) está deixando pacientes na fila de espera de cirurgias eletivas, principalmente pessoas com fraturas que são mantidas internadas ou mandadas para casa a fim de aguardar a marcação da cirurgia.
Depois que a Justiça mandou o governo cortar os subsídios concedidos aos médicos acima do teto constitucional, os médicos começaram a protestar retardando os procedimentos, artifício conhecido como “operação tartaruga”. O problema é que, à medida em que se alega estar combatendo super salários, o governo mantém a secretária de Saúde com três rendimentos, revoltando ainda mais os profissionais de saúde.
Mas a grande questão não é exatamente esta. O governo estadual está aproveitando o caos de fim de ano provocado por esse embate para apressar a privatização de todos os serviços prestados pelo Hospital Geral de Roraima (HGR), a maior unidade de saúde do Estado, por meio da contratação de uma Organização Social de Saúde (OSS) pelo valor de R$324 milhões!
Não haverá licitação, e sim uma seleção que precisa ser acompanhada atentamente pelos órgãos de controle, pois a OSS (empresa de direito privado sem fins econômicos) a ser escolhida por uma comissão especial irá assumir todos os atendimentos e serviços atualmente ofertados pelo HGR, de serviços ambulatoriais de rotina a atendimentos de urgência e emergência, incluindo cirurgias e exames especializados de todas as áreas.
O prazo para que as propostas sejam entregues à Comissão Especial de Seleção da Sesau é até 30 de dezembro, última sexta-feira do ano, ou seja, no apagar das luzes quando todas as atenções das pessoas estarão voltadas para as festas de fim de ano e quando os políticos e outras autoridades já estarão no bem-bom de seus recessos.
Daí a necessidade de os órgãos de controle estarem muito atentos, pois se trata não apenas de uma vultosa soma de recursos público em jogo, mas o bem-estar e a vida da população que depende exclusivamente de uma saúde pública gratuita e de boa qualidade, conforme determinação a Constituição, justamente um setor que foi devorado pela corrupção nos últimos anos.
O desenrolar desta questão se reveste de uma preocupação maior porque a privatização da saúde pública em estados que adotaram a contração de OSS mostrou-se problemática, provocando novos problemas para a saúde pública e seus profissionais, refletindo seriamente no atendimento ao público, já cansado de sofrer nas filas de hospital.
O grande temor é que a saúde pública de Roraima troque um problema por outro maior, em uma analogia em que a população poderia pular da frigideira para cair na fogueira. A entrega do maior e mais importante hospital nas mãos da iniciativa privada, para OSS que alega não ter fins econômicos, cheira muito mal. A Assembleia Legislativa já lavou as mãos ao aprovar a alteração na lei dando o aval para que isto se concretize.
A opinião pública sabe que há profissionais competentes no Estado que podem muito bem suprir todas as demandas, desde que haja uma gestão austera e competente, algo que não ocorreu até hoje graças a vários fatores, entre eles, a politicalha que transforma médicos em vereadores, deputados e senadores, além de situações que empurram pacientes para consultórios particulares.
Não bastasse essa realidade, antes da atual crise se instalar, havia um estranho pagamento para médicos por paciente, o que fazia com que esses profissionais receberem muito acima do teto constitucional. Os fatos indicam que havia médicos recebendo R$300 mil por mês e existe o caso de um valor que chegou a R$500 mil apenas para um médico. Um verdadeiro acinte que foi freado pela Justiça.
Oras, já que o governo oficializou sua incompetência para gerir uma saúde pública de qualidade, a ponto de decidir jogar a obrigação constitucional para as mãos de um setor privado que se diz “não ganancioso” e “bonzinho” a ponto de não querer lucros, então que seja sob intensa fiscalização e transparência. Existem rumores de agentes públicos terem ido a Goiás consultar uma OSS!
De engodos viveu a saúde pública até aqui, gerando políticos aproveitadores da estrutura do governo e das doenças e desgraças das pessoas para se tornarem parlamentares do toma-lá-dá-cá, acumulando poderes políticos que colocaram governadores em suas mãos. Não podemos aceitar que mais outro seja aplicado sob qualquer argumento que seja.
*Colunista