JESSÉ SOUZA

Há muito a ser passado a limpo na fronteira antes de monitorar protesto indígena

Ministério Público abriu procedimento para monitorar protesto de comunidades indígenas na BR-174 (Foto: Divulgação)

É digna de surpresa a pressa da Promotoria de Justiça do Ministério Público de Roraima (MPRR) do Município de Pacaraima em abrir procedimento administrativo para monitorar e impedir protestos realizados pelas comunidades indígenas contra a Proposta de Emenda Constitucional do Marco Temporal, com bloqueios realizados no trecho norte da BR-174.

A alegação para o procedimento é que o bloqueio daquela rodovia estaria provocando prejuízos à população daquela cidade e região que nem poderiam ser medidos. O argumento é o mesmo usado historicamente por todos aqueles que não admitem os povos indígenas lutarem por seus direitos, como se Pacaraima não tivesse problemas mais sérios e urgentes a serem resolvidos inclusive pelos órgãos fiscalizadores.

Não só a população de Pacaraima passou por gravíssimos problemas nos últimos anos devido ao completo abandono da rodovia federal, como também a economia que depende daquele corredor de exportação e importação entre Brasil e Venezuela. No entanto, não se viu ninguém agir de forma rápida e incisiva para responsabilizar a quem de direito pelo deterioramento da estrada que deixou todos ilhados tanto no verão quanto no inverno.

A população, os caminhoneiros, os taxistas e donos de vans, os produtores rurais, empresários e todos que dependem da estrada ficaram literalmente bloqueados no seu direito de ir e vir por causa das precárias condições da BR-174, além dos transtornos e prejuízos incalculáveis. Foram mais de quatro anos de abandono, até assumir o atual governo, esse sim que começou a fazer o trabalho de restauração e conservação da estrada.

Tem muito mais. As graves questões do lixo, da saúde pública, da criminalidade, da migração desordenada, das agressões ao meio ambiente e da fronteira desprotegida nunca incomodaram as autoridades a agirem de forma energética, como se não estivesse ocorrendo nada de grave nos últimos anos naquela área fronteiriça.

Não menos grave é a situação política de Pacaraima, onde prefeito e vice foram cassados e muito provavelmente devem concluir o mandato até o fim do ano sem serem incomodados ou acossados com providências urgentes. Fora os casos de denúncias de corrupção e desmandos envolvendo as autoridades municipais.

No entanto, basta que comunidades indígenas promovam protestos legítimos em busca de seus direitos para alvoroçar os que enxergam “prejuízos incomensuráveis” e sentem-se ofendidos em seu “direito de ir e vir” em um bloqueio intermitente da rodovia, com o tráfego liberado a cada 30 minutos, o que, de longe, sequer provoca prejuízos na mesma extensão que as imensas crateras e atoleiros provocaram nos últimos anos.

Tem muito a ser feito na cidade em Pacaraima, que vive em um constante estado de calamidade devido aos sérios problemas acima relatados, além da ação do crime organizado internacional. Com certeza absoluta, não é o protesto dos indígenas o grande mal a ser combatido pelos representantes do Ministério Público de forma ágil e incisiva.

*Colunista

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