Há um cheiro fétido no ar da política, mas nem a consciência sente mais nada
Jessé Souza*
Os fatos que envolvem o deputado Jalser Renier (SD) e suas falas no plenário da Assembleia Legislativa de Roraima, nesses últimos dias, são nitroglicerina pura, como diriam antigos colunistas políticos. Porém, o Estado de Roraima chegou a um nível de descaramento que nada mais parece absurdo e tudo fica por isso mesmo, como palavras jogadas ao vento.
São vários desdobramentos a ponto de ficar difícil detalhar tudo em um artigo apenas. Mas é importante destacar os principais, a começar pelo próprio processo de cassação sob acusação de ser o mandante do sequestro e tortura de um apresentador de TV. Evidente que se tratam de graves acusações, mas há de se destacar que o parlamentar ainda não foi sentenciado pela Justiça.
Há uma nítida evidência de uma desforra política contra o ex-presidente da Casa, que mostrava poder e influência para se reeleger seguidas vezes para o comando do Legislativo, hoje nas mãos do grupo político do governador Antonio Denarium (PP). Os fatos mostram que não se trata tão somente de um julgamento por quebra de decoro parlamentar, uma vez que não há trânsito em julgado do processo do qual ele é acusado.
Pode-se citar como parâmetro o caso do senador Chico Rodrigues (DEM), flagrado pela Polícia Federal com R$33 mil na cueca durante busca e apreensão na residência dele no caso que investiga desvio de recursos da saúde pública destinada ao combate à Covid-19. Afastado do cargo por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) por 90 dias, ele retornou ao cargo e hoje segue sem pressão alguma por sua cassação.
Porém, se a Assembleia Legislativa, hoje sob novo comando, estiver revestido por uma retomada da moralidade e da ética, então precisaria também estar imbuído do mesmo propósito com relação aos casos dos deputados Renan Beckel Filho (Republicanos), preso no suposto esquema envolvendo o filho da ex-governadora Suely Campos no fornecimento de comida para presos, e Yonne Pedroso (SD), presa envolvida em suposto esquema no transporte escolar de Roraima.
Mesmo que presos sob acusação de suspeita de corrupção, os dois foram diplomados e empossados. E seguem com seus mandatos intactos mesmo tendo sido cassados pela Justiça Eleitoral. Renan Filho chegou a ser cassado três vezes. Haveria todos os motivos para a Comissão de Ética também analisar a quebra de decoro parlamentar. Mas parece que há pesos e medidas diferentes.
ACUSAÇÕES – Desde o início do processo de cassação, Jalser Renier vem fazendo graves acusações, como suposta prática de “rachadinha” (conhecida pelos roraimenses como “gafanhotagem”) e levantou suspeita sobre os R$ 40 milhões de crédito suplementar daquela Casa, o aumento da verba de gabinete e o aumento da folha de pagamento em 25% daquele poder.
O deputado também já havia denunciado que deputados pegaram dinheiro de suas mãos e voltou a repetir em plenário esta semana, em alto e bom tom, inclusive citando nomes. Embora sejam acusações em um momento de desespero, não se pode ignorar tais fatos, pois Renier conhece bem os meandros daquela Casa.
Nem o governador escapou dos ataques. Jalser Renier desafiou todos os deputados, indistintamente, a desmenti-lo quando ele chamou Denarium de agiota. Chegou a insinuar que a maioria dos deputados já pegou dinheiro na base da agiotagem para financiar suas campanhas eleitorais (Caixa 2), inclusive citou o nome do ex-deputado Luciano de Castro, que teria perdido uma casa.
Mas, talvez fique por isso mesmo, pois Denarium foi eleito sob essa mesma acusação feita pela então governadora Suely Campos, durante o debate eleitoral na TV Roraima, quando ela foi bem clara ao chamar o então candidato a governador de “agiota”, com todas as letras. Pela legislação brasileira, agiotagem configura-se enriquecimento ilícito que prejudica o sistema bancário regularizado.
SOB SUSPEITA – Outra denúncia feita por Renier diz respeito ao marido da procuradora-geral de Justiça do Ministério Público de Roraima, Rodrigo Ávila. O parlamentar disse que ele tem cargo comissionado no Governo do Estado e insinuou que, por este motivo, a Assembleia Legislativa não passaria por investigação.
De fato, Ávila é servidor da Companhia de Desenvolvimento de Roraima (Codesaima), recebendo salário de R$20 mil, um órgão que vem sendo repetidas vezes denunciado desde governos anteriores como “cabide de emprego” e de “acomodações políticas”. E desde lá essa estatal segue de pé, mesmo sendo flagrantemente um órgão figurativo e jurrásico, servindo de peso aos cofres públicos.
Logo, esse são dois casos que não devem dar em nada, embora no caso de Ávila já tenha surgido uma corrente que defende a necessidade do afastamento imediato da procuradora, sob a alegação de que, com o seu cônjuge trabalhando como cargo comissionado na Codesaima, isso comprometeria a imparcialidade dela no deferimento de investigações
Ocorre que, em anos anteriores, Ávila se envolveu em outras acusações semelhantes, quando sua empresa foi contratada com dispensa de licitação pela Prefeitura de Boa Vista, sob justificativa de emergência ou calamidade pública, para realizar um serviço de sondagem de solo no aterro onde foi erguido o Parque Rio Branco.
O valor do contrato foi de R$400 mil. E de emergencial não havia nada naquele serviço nem na obra erguida sob o período mais crítico da pandemia, tudo para servir de palco político (ou seria eleitoral|?) para a despedida da então prefeita Teresa Surita (MDB).
A empresa dele vinha realizando obras para a Prefeitura Municipal de Boa Vista desde 2017. Em mais de dois anos, foram cinco obras que totalizaram cerca de R$3 milhões em faturamento. Por este motivo, surgiu naquela época uma corrente política que também pedia o afastamento da procuradora sob os mesmos argumentos apresentados atualmente. Então, como se pode observar, não deu em nada.
Um parêntese: não custa lembrar que o empresário chegou a ser preso 2007 durante a Operação Metástase, da Polícia Federal, que investigou um suposto esquema de corrupção na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) que agia principalmente nas licitações de serviços de transporte de taxi aéreo, contratação de obras de engenharia e aquisição de medicamentos.
Então, todos os fatos acima emergiram ou foram desencavados a partir das declarações contundentes do deputado Jalser Renier, no Plenário da Assembleia Legislativa. Significa que há um cheiro fétido no ar, mas a política alcançou um nível tal que muitos não se incomodam mais com o que o nariz sente c
om o que vem da política. Porque a consciência também já foi contaminada há tempos.
Segue o barco?!
*Colunista