A reclassificação da Floresta Nacional (Flona) do Parima para Unidade de Conservação de Uso Sustentável, localizada em uma área de 109.484 hectares no município de Amajari, Norte de Roraima, em setembro do ano passado, acabou por revelar um conflito agrário no entorno daquela unidade. Uma faixa de terra que está de fora de preservação passou a ser grilada no silêncio de todos e longe dos olhares da sociedade.
Pessoas influentes e de poder aquisitivo passaram não só a ocupar as áreas por conta própria, mas também a tomar lotes que já pertenciam a pequenos produtores ou pessoas simples, desprovidas de conhecimento e de quaisquer condições de resistir às investidas. E não se trata de simplesmente expulsar quem mora lá, mas de usar um esquema de georreferenciamento que está em curso há um certo tempo para se apossar de áreas não documentadas.
Essas pessoas pobres sequer têm condições de resistir, pois lá a polícia não chega e o poder público sempre se mostrou ausente (pela distância, pelas condições ruins da estrada e por falta de interesse mesmo), fazendo com que os grileiros e seus capangas desfilem com arma na cintura em locais públicos, como se fosse um filme de faroeste norte-americano, como forma de intimidar quem, por ventura, tente resistir de alguma forma. É uma terra sem lei.
O que chama a atenção é que esse esquema de georreferencia não é de hoje nem um problema localizado. Ele vem sendo colocado em prática em todo o Estado, onde pessoas humildes detém a posse, mas não sabem nem têm condições financeiras de fazer o “geo” de suas áreas. Quando, por ventura, chegar a regularização fundiária nessas áreas, essas famílias descobrirão que elas não são mais proprietárias de seus lotes e que pessoas influentes já estão como proprietárias legalizadas.
A indefinição fundiária nas glebas em várias regiões, a exemplo da Serra do Tepequém, favorece esse esquema que não só dá dinheiro a quem faz o geo, mas também a quem faz grilagem de áreas e a políticos que utilizam esse esquema não apenas para se apossar de áreas, mas também para realizar esse serviço a posseiros em troca de votos. Já existem até pessoas que fazem o geo lançando pré-candidaturas – isso só para se ter uma ideia do esquema.
Meses atrás, surgiram casos no Município do Alto Alegre de ao menos um político que passou a arrancar os marcos demarcatórios de lotes de pequenos produtores se dizendo proprietário dessas áreas, em retaliação por não mais o apoiarem politicamente, obviamente apoiado pelo esquema de georreferenciamento, um serviço caro e que está longe do alcance financeiro das pessoas pobres que moram no campo.
Há informações de que pelo menos três pessoas que fazem georreferenciamento no Estado foram denunciados à polícia. E eles atuam não só no órgão fundiário estadual, mas também no órgão federal, cujos chefes têm conhecimento do grande esquema que age há muito tempo graças à indefinição fundiária que reina no Estado há muito tempo.
No Sul do Estado, onde existe uma “briga de cachorro grande”, os políticos encontraram um meio de se apossar de áreas sem precisar se apoiar em esquemas obscuros. Por lá, um projeto que se tornou lei, em 2022, criou o Sistema Estadual de Unidade de Conservação (SEUC), com a recategorização de duas Áreas de Proteção Ambiental (APAs) em Unidades de Conservação, que representou o fim da Floresta Nacional (Flona) Jauaperi, nas divisas dos municípios de Caroebe, São João da Baliza e São Luís do Anauá.
Dentro desta área estão lotes que pertencem a políticos, os quais somam-se cerca de dez mil hectares, inclusive os títulos emitidos estão (ou estavam) sob suspeita de fraudes investigadas pela Polícia Federal, mas que até hoje não deu em nada. E com a sanção da lei provavelmente ficará por isso mesmo, revelando outra face da questão fundiária roraimense.
As autoridades precisam ficar atentas a isso, pois está em curso um grande esquema de apropriação de imensas terras que está beneficiando um pequeno grupo com envolvimento político, o qual está se apoderando das terras em Roraima. Inclusive, até mesmo aqueles que compram terras de boa-fé estão descobrindo que caíram em um golpe.
Abandonados, sem que o poder público tenha um programa de financiamento de georreferenciamento, sem qualquer apoio dos órgãos fundiários, as famílias de pequenos produtores e pessoas humildes, sem conhecimento e sem condições financeiras, estão perdendo suas propriedades de toda uma vida sem nada poder fazer.
*Colunista