O grande vírus a ser combatido é um antigo conhecido
Já era perfeitamente imaginável que poderíamos viver uma nova crise na saúde pública devido ao coronavírus. O povo já havia perdido o medo da pandemia desde o feriadão da Independência, em 7 de setembro do ano passado, quando uma multidão literalmente quebrou todas as regras e superlotou praias e outros pontos turísticos em todo o país.
Em Roraima, essa realidade foi marcada pelos milhares de turistas que literalmente invadiram a Serra do Tepequém, ao Norte do Estado, no Amajari. Não eram apenas turistas locais e de outros estados, especialmente de Manaus (AM), que também já estavam saturados de uma longa quarentena, mas também eventuais visitantes roraimenses igualmente estressados com a o isolamento e a brusca mudança da realidade.
E logo em seguida veio a campanha eleitoral com os políticos escancarando tudo em seus comícios e reuniões de bairro, com muita aglomeração e a não exigência dos mais básicos procedimentos. Até a Prefeitura de Boa Vista fechou os olhos para as praças, com a administração passando a fazer seguidas inaugurações de praças públicas, permitindo aglomerações e afrouxando as fiscalizações.
Por fim, veio dezembro com suas festas de fim de ano, no Natal e Ano Novo, com confraternizações familiares e festas particulares que definitivamente selaram a falta de medo das pessoas, o relaxamento das fiscalizações e das campanhas que antes chamavam o povo à responsabilidade.
E junto com o Ano Novo vieram o recrudescimento da doença, o surgimento de novas variantes, a desestrutura e desorganização dos governos, que também relaxaram em tudo, além da ideologização da doença (bolsonarismo x petismo), entre esquerda e direita, terra plana e terra bola.
Nesse bolo, fortaleceram-se as teorias conspiratórias, que colocaram a vacina como instrumento do demônio, por religiosos brigando por almas (ou seriam dízimos?!), da nova ordem mundial, que levaria os ricos a definitivamente dominarem o planeta, e pelos negacionistas que passaram a plantar na cabeça das pessoas supostas alterações genéticas que iriam transformar os imunizados em zumbi, jacaré ou algo assim.
Está aí o enredo de tudo isso transformado não mais em uma nova onda do coronavírus, mas em um tsunami do qual ninguém escapará, nem aqueles que dizem não estar sendo influenciados por nada disso, pois fatalmente todos irão pegar a Covid-19 em algum momento da vida – ou já pegaram e nem perceberam.
Porém, independente da politização e ideologização da doença, há um fator decisivo para que tudo isso descambasse para o momento terrível que estamos vivendo: a corrupção na saúde pública, o pior vírus de todos, que vem de longas datas e contaminou todos os governos até aqui.
Até quando a doença aterrorizava pela primeira vez a corrupção não cessou. Pelo contrário, houve quem se aproveitasse do momento de pânico, da calamidade decretada pelos governos em todos os níveis, o que libera a exigência de licitação, e a guerra política criada entre Governo Federal, Governo do Estado e prefeituras, que foi parar na Supremo Tribunal Federal (STF), para desviar recursos ou fortalecer seus esquemas com o dinheiro público.
É histórico o desmando na saúde pública, com os casos de corrupção sendo escancarados no Estado a partir desse atual governo, quando seguidos secretários estaduais de Saúde saíram fazendo denúncias gravíssimas sobre uma corrupção endêmica enraizada na saúde pública estadual.
Embora tenha sido uma surpresa que secretários demissionários tenham aberto a boca para fazer denúncia, não foi necessariamente uma surpresa para a população os casos de corrupção, uma vez que o setor da saúde sempre foi usado como moeda eleitoral a cada governo, com a secretaria sendo entregue em troca de apoio político-partidário.
De tudo que estamos assistindo e vivenciando hoje, com hospitais colapsados e falta de material, a principal culpa recai sobre a corrupção histórica no setor da saúde, em todos os níveis de governo. E a falta de estrutura começa no atendimento básico, ou seja, na saúde municipal, e estoura na saúde estadual.
A população roraimense sabe disso muito antes do coronavírus e bem antes da imigração desordenada, com a chegada em massa de venezuelanos, que só fez piorar a superlotação nas unidades de saúde. O grande vírus da corrupção já matava e tirava a dignidade das pessoas nas quilométricas filas de espera e nos hospitais onde as pessoas morriam por falta de estrutura adequada, de atendimento precário e por falta material médico hospitalar.
O momento atual é consequência do que se passou nas entranhas da saúde em todos os governos. E parece que a população não quer enxergar isso, pois na campanha eleitoral a saúde pública, que pela lógica deveria ser a principal bandeira da campanha eleitoral, foi esquecida não apenas pelos políticos, mas pelos eleitores que se submeteram à ausência dos cuidados básicos nem cobraram de seus candidatos a saúde como prioridade.
Hoje estamos pagando a conta de tudo isso, somado à ignorância que campeia o território livre das redes sociais, que transforma calamidade em disputa ideológica ou partidária, ciência em questionamento por intelectuais de mesa de bar, bom senso em teorias conspiratórias religiosas ou de lavagem cerebral em pessoas incautas que creem em todo tipo de fake news.
Mas havemos de ter a consciência de que a corrupção é o grande vírus a ser combatido. E o curioso é que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a saúde pública estadual até hoje vive no berço esplêndido do silêncio.
*Colunista