O triste retrato das feiras sob responsabilidade do governo
Jessé Souza*
Por muito pouco, não ocorreu uma chacina ao redor da Feira do Produtor, no bairro São Vicente, na semana passada, durante aquela onda de assassinatos que ocorreu na Capital. A situação daquela feira é o exemplo do que ocorre quando o poder público deixa de agir com suas obrigações.
Pelo lado de dentro da feira, pode-se ver o cenário depois que o Governo do Estado largou por completo, obrigando o produtor rural a entregar tudo nas mãos dos atravessadores, isso há muito tempo. Isso fez com que os quiosques passassem para as mãos de quem não tem nenhuma ligação com a agricultura, em sua maioria.
Mas isso já está consolidado, uma vez que o pequeno produtor rural não tem tempo para ser dono de banca na cidade, muito menos estrutura para se deslocar para a Capital todo fim de semana, a fim de escoar seus produtos, desde quando o governo deixou de fornecer transporte, o popular “caminhão da feira”.
O tempo passou, vários governos também passaram, e a Feira do Produtor foi perdendo não só a identidade, mas a estrutura adequada tanto para vendedores quanto para consumidores. E se tornou um lugar desorganizado e feio não só por dentro quanto no seu entorno.
O antigo dormitório que servia aos produtores rurais passou a ser ocupado por venezuelanos que não têm onde morar, numa espécie de abrigo. Do lado de fora, um prédio abandonado pela prefeitura, atrás da feira, foi transformado em ruínas, abrigando inicialmente desocupados, para logo abrigar imigrantes sem-teto.
Sem controle, quiosques com estrutura precária passaram a surgir ao longo dos anos, especialmente bares, justamente um dos locais onde dois estrangeiros foram mortos e outros três ficaram feridos a bala. Já no ano 2019, a Polícia Militar recebeu denúncia de que por ali havia se transformado em ponto de venda de droga.
Mas o fato principal a ser destacado é que, quando o poder público fica ausente, a desorganização impera, para logo em seguida surgirem a malandragem e a bandidagem. Isso não ocorre só com prédios públicos, a exemplo da feira, mas também com praças, que se tornam redutos da marginalidade e do vandalismo quando a prefeitura deixa de dar manutenção e vigilância, bem como a polícia se ausenta.
Problema semelhante ocorreu na Feira do Passarão, no bairro Caimbém, que passou a enfrentar os mesmos graves problemas e, hoje, os vendedores vivem de forma improvisada, em barracos, enquanto uma obra interminável de reforma segue por lá, passando de governo a governo.
Se não houver uma mobilização para reorganizar a Feira do Produtor, a bandidagem continuará se apoderando do entorno, onde vivem pais e mães de famílias desempregados trabalhando como ambulantes e também vendendo em quiosques que lá se estabeleceram há vários anos.
Essa organização precisa chegar por dentro do prédio, onde o descaso pode ser visto nas vias internas de acesso, tomadas por imensas crateras que dificultam o tráfego de veículos e pessoas; bem como uma estrutura favelizada, que precisa de uma reforma urgente, além de uma organização administrativa para identificar quem trabalha ou quem usa a estrutura apenas para se abrigar ou praticar a malandragem.
Os assassinatos que ocorreram na semana passada, no entorno da Feira do Produtor, só expuseram o grave problema que se estabeleceu por lá. Situação semelhante ocorre na Feira do Passarão, onde o governo faz corpo mole para concluir a reforma e devolver a dignidade para aqueles trabalhadores e a tranquilidade aos consumidores.
Atualmente, a situação das duas principais feiras-livres sob a responsabilidade do governo revela como a pequena agricultura é tratada no Estado. Um retrato três por quatro do desprezo com quem coloca comida na mesa das famílias.
*Colunista