Jessé Souza

JESSE SOUZA 11499

Já haviam pisado o jardim, mas muitos não achavam ‘nada demais’

Jessé Souza*

No começo, era tão somente um movimento que se propunha ser “politicamente incorreto” visando enfrentar o que se chamava de ideologização do discurso pela esquerda com sua pregação de “politicamente correto”. Mas não era só isso, porque lá atrás já se exaltava a tortura com todas as letras, inclusive dentro do Congresso.

Como ninguém fez nada, esse movimento só se ampliou. E não era apenas o pensamento da esquerda que passou a ser alvo do “politicamente incorreto”. Era qualquer um que lançava crítica a esse “novo normal” na política e na maneira de se agir na sociedade.

Como ninguém fez nada, a imprensa passou a ser não apenas alvo do “politicamente incorreto”, mas de uma artilharia pesada que visava não só contestá-la, como se faz em qualquer país democrático, mas execrar seus profissionais e desacreditá-los perante a opinião pública.

Como ninguém fez nada, todo e qualquer cidadão se tornou um alvo em potencial nas redes sociais, bastando qualquer crítica que desagrade esse movimento que não era mais apenas do “politicamente incorreto”, mas um orquestrado movimento ideológico de extrema direita.

Então, da justificativa de se combater uma extrema esquerda ardilosa com o seu “politicamente correto” surgiu uma extrema direita barulhenta e raivosa, aos moldes de tudo aquilo que se alegava combater no Brasil por meio do “politicamente incorreto”.

Como ninguém fez nada, tornou-se normal (e até “elegante”) falar palavrões em público, em transmissões pela internet e até em coletiva de imprensa. Até mandar enfiar uma “lata de leite condensado” em um lugar que jamais algum cristão teria coragem de falar em suas reuniões dominicais na igreja.

Muitos passaram a se sentir confortavelmente à vontade para defender tortura abertamente, atacar jornalistas no exercício de suas funções em atos públicos ou gravando matérias em via pública. E até mesmo em lançar ameaças aos poderes constituídos, especialmente o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (TSF), poderes esses que realmente são merecedores de todas as críticas e desconfianças.

Realidade semelhante ocorria paralelamente nos Estados Unidos (EUA) e, como também ninguém fez nada, uma turba raivosa invadiu o Capitólio, o maior símbolo da democracia norte-americana, em uma ação que assustou todas as democracias pelo mundo.

Enquanto isso, no Brasil, como ninguém fez nada, as pessoas passaram a não achar “nada demais” escrachar e escalpelar quem critica e diverge do “politicamente incorreto”, defender a volta da tortura, atacar as instituições, agredir jornalista no meio da rua e adotar palavrões antes impublicáveis como se fossem o mais moderno gesto de argumentar.

É por isso que muitos não conseguem mais saber o limite da “liberdade de expressão” nem a diferença para a “liberdade de agressão”. É como se fosse “normal” orar em nome de Deus dentro da igreja, mas agir com palavrões quando se está fora dela, como se tudo passasse a ser compatível, inclusive a violência.

Já havia passado da hora de alguém fazer alguma coisa. Não podemos mais recuar o limite da cerca da democracia em nome de um “politicamente correto” ou “ politicamente incorreto”. Já haviam pisado o jardim da democracia, porém muitos não achavam “nada demais” nisso tudo.

É hora de repensar tudo isso.

*Colunista