Conflitos a partir de Pacaraima e a necessidade de reforçar a vigilância na fronteira
Jessé Souza*
Um grande conflito entre órgãos federais ficou bem explícito a partir de uma operação da Polícia Federal realizada na quarta-feira passada, dia 17, dentro de um abrigo que acolhe venezuelanos, no Município de Pacaraima, Norte do Estado, na fronteira com a Venezuela. A ação policial foi para coibir a permanência e a entrada ilegais de estrangeiros, com base no decreto do Ministério da Saúde que fechou a fronteira temporariamente por conta da pandemia de coronavírus.
O fato é que a Justiça Federal decidiu, neste domingo, de forma monocrática, proibir que a União deporte estrangeiros ilegais que já estão acolhidos em abrigos e que não realize qualquer tipo de fiscalização ou monitoramento que impeça os estrangeiros de terem acesso aos serviços ofertados pelo país, como saúde e educação, ou de ingressar em abrigos, por meio de novas operações policiais.
A ação civil pública que resultou nesta decisão foi movida pela Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público Federal (MPF) depois que a PF fez uma incursão em um abrigo em Pacaraima, mantido pela Igreja Católica, a fim de fiscalizar e deportar os estrangeiros não documentados. A Justiça decidiu ainda pela nulidade dos processos de deportação de seis venezuelanos detidos durante a ação policial.
Os órgãos federais já divergiam sobre como agir diante da migração em massa de venezuelanos, especialmente a partir do fechamentos da fronteira emergencialmente, em janeiro deste ano, devido à Covid-19. Os venezuelanos continuaram entrando, via caminhos clandestinos, com boa parte sendo abrigada por Organizações Não Governamentais por serem considerados em situação de imigrantes hipervulneráveis.
Diante do agravamento da situação na cidade de Pacaraima, não apenas com seu serviço de saúde colapsado devido à pandemia, mas também com aumento da miséria, da violência e do desemprego, bem como mendicância, estrangeiros desabrigados e toda sorte de infortúnios para a população, como a favelização e as aglomerações públicas, a PF decidiu agir nos abrigos, em vez de as autoridades focarem na fiscalização da fronteira.
O problema é que a União está dividida entre abrigar e ao mesmo tempo impedir a entrada de estrangeiros ilegais. E esse é o grande dilema do Exército, responsável por monitorar e resguardar a fronteira ao mesmo tempo em que tem de acolher os venezuelanos que fogem de seu país.
Os militares estão divididos, porque agora existe o Exército responsável pela Operação Abrigo, e o Exército responsável por resguardar a soberania brasileira por meio da manutenção da fronteira. O desenrolar dos fatos mostra que o “Exército do abrigamento” está vencendo.
O conflito não está apenas no seio do Exército (acolher ou reprimir?!), como segue nas atribuições dos demais órgãos federais, enquanto o Estado de Roraima sofre as duras consequências, principalmente o Município de Pacaraima, que ainda enfrenta problemas com denúncias de má aplicação de recursos para a pandemia, conforme operação policial realizada recentemente naquela cidade.
De fato, diante do grande impasse entre os órgãos federais e militares, dos acordos internacionais, além da lei de imigração em vigor, optar por uma operação dentro de abrigos não foi uma boa decisão nem a melhor alternativa. De quebra, ainda criou mais um grande problema e mexeu no caldeirão da polêmica dos que são contra e a favor, sem contar com a xenofobia que aflora nestes casos.
Se houver uma decisão de governo para dirimir esse conflito, esta deveria ser direcionada em garantir o decreto que fecha a fronteira temporariamente, reforçando a vigilância e o combate a caminhos clandestinos. Aliás, a fronteira também é uma das atribuições da Polícia Federal.
Isto, sim, tem o poder de frear a entrada ilegal de estrangeiros, bem como combater crimes comuns na fronteira, uma vez que por lá passam também criminosos, segurando o crescimento de estrangeiros desabrigados em Pacaraima e Boa Vista, no Estado de Roraima, bem como em Manauas, no Amazonas, enquanto o país tenta controlar o avanço da pandemia, driblando a crise entre poderes que divide os brasileiros.
Enquanto órgãos federais e o Exército batem cabeça mediante os impasses, Roraima segue sofrendo as consequências da imigração desta vez ilegal. Antes do fechamento da fronteira, em dezembro de 2020, já existia um grande contingente de migrantes que não passaram pelo controle migratório na fronteira nem conseguiram regularização do lado brasileiro.
Com o fechamento formal da fronteira este ano, esses imigrantes chegam sem qualquer acompanhamento sanitário e sem conseguirem se regulariza, o que agrava o quadro da pandemia no Estado, refletindo diretamente nos hospitais e maternidade já superlotados, os quais enfrentam falta de médicos e medicamentos.
Em outra frente, o Estado já vinha conseguindo reduzir o número de abrigos improvisados em locais públicos e de estrangeiros nos semáforos, quadro este que voltou a preocupar de novo, nos últimos meses, inclusive com crianças pedintes acompanhando seus pais.
À medida em que órgãos federais, militares e organizações não governamentais entram em colisão, as consequências mais danosas são sentidas de forma mais aguda em Pacaraima, onde só quem lucra com esse movimento de pessoas por meios clandestinos é o comércio, enquanto a população fica com os sérios problemas sociais e econômicos, sem contar com a crise na saúde pública.
Porém, apesar de tudo, o que não se pode é a interpretação errada da decisão de um juiz federal para promover um “liberou geral da fronteira”, conforme vem circulando na internet. Esta interpretação serve para promover um grande conflito que está se encaminhando.
O que está proibido é reprimir os que já conseguiram atravessar a fronteira, mas não liberou a fronteira muito menos impediu a fiscalização. Então, é hora de as autoridades agirem para impedir o acesso clandestino de estrangeiros, mediante um reforço repressivo até quando a fronteira continuar fechada.
O Estado de Roraima e sua população não podem ser penalizados pelo jogo de interesse entre instituições e conflitos entre órgãos. A contenção na fronteira também deve fazer parte da estratégia de impedir que Roraima desenvolva novas cepas de coronavírus, assim como ocorreu no Amazonas.
Não se trata de xenofobia ou de ser contra a política de acolhimento que vem sendo feita espe
cialmente em Roraima. Trata-se de uma questão de saúde pública, além, também, de soberania nacional diante de uma fronteira fechada temporariamente, conforme a legislação brasileira frente à pandemia.
*Colunista