O vil metal e suas graves consequências para todos
Jessé Souza*
Apesar de todos saberem que o garimpo ilegal movimenta uma montanha de dinheiro, muitas pessoas ainda ficaram surpresas com o que foi revelado na mais recente operação da Polícia Federal em frentes de garimpo dentro da Terra Indígena Yanomami, que desde a década de 1980 enfrenta a invasão garimpeira.
Um dos fatos que surpreenderam foi a internet nos assentamentos garimpeiros, os quais assemelham-se a uma favela no meio da selva. Mais surpresas ainda ficaram as pessoas por saber o valor da “taxa” cobrada para ter acesso dário à senha para usar o Wi-Fi : R$50,00 . Talvez seja a internet mais cara do mundo.
Isso apenas revela o poderio econômico que banca e movimenta a exploração ilegal de ouro em terras indígenas. Nos classificados nas redes sociais, o chamado “kit de internet” é oferecido pelo valor de R$10 mil, com garantia de instalação em qualquer lugar de Roraima (leia-se: qualquer garimpo). Isso fora a mensalidade, que custa o valor de R$2,5 mil!
Não se tratam apenas de desempregados que largam sua vida de dificuldades na cidade para se aventurarem em meio à floresta amazônica não mais com o sonho de ficar rico do dia para noite, mas agora para sobreviver diante do desemprego e falta de oportunidades. E muitos deixam família e se desfazem de algum bem para bancar a viagem só de ida.
Todo o sistema de exploração mineral é bancado por quem tem dinheiro para investir: donos de aeronaves, proprietários de potentes embarcações e de maquinários que custam uma grana alta para serem adquiridos e ainda transportados para esses locais de difícil acesso. Não se pode esquecer que uma operação da PF apreendeu o avião pertencente a um político local (veja artigo anterior) fazendo voo para área de garimpo.
Ao se aventurarem mata adentro, alguns desses garimpeiros conseguem pegar algum dinheiro que pode melhorar sua condição de vida imediatamente, ainda que de forma temporária. Mas, no geral, essas pessoas mal ganham para cobrir o que foi gasto para chegarem à frente de garimpo e acertar sua subsistência enquanto rasgam a floresta e o leito dos rios em busca do vil metal.
Quem ganha de verdade são os donos do helicóptero ou de pequenas aeronaves, bem como aqueles que bancam os maquinários, as embarcações, o combustível e o comércio que movimenta de tudo na vila garimpeira, inclusive realização de bingos cujo prêmio são armas de fogo.
E ainda têm a prostituição, o tráfico de droga, o contrabando de ouro, evasão de divisa, o aliciamento de indígenas, assassinatos não apenas por acerto de conta como também por rixas entre os próprios garimpeiros e conflitos com os indígenas. Ou seja, muitos pagam o preço com a vida.
E ainda há os crimes ambientais que se seguem devido à ação altamente devastadora das matas, do subsolo e do leitos dos rios, a maioria deles que deságua nos principais mananciais de água potável de Roraima e que são fonte de subsistência de pescadores e famílias ribeirinhas, de Norte a Sul do Estado.
É possível verificar os óbvios vestígios dessa desgraça nos principais balneários públicos da Capital e do interior, bem como nos principais pontos de atividades de pesca, como os rios Uraricoera, Branco e Apiaú, cuja água desses mananciais ganhou uma tonalidade escura devido à lama, que se acumula nas praias, alterando completamente o ecossistema por causa da agressiva poluição provocada pelos rejeitos.
As comunidades indígenas são duramente afetadas, seja com a mudança brusca de sua cultura, os fazendo sucumbir ao alcoolismo, à dependência da nova forma de vida baseada no ouro (que os tornam miseráveis economicamente devido à nova forma de vida), a prostituição das jovens, completa desagregação, mortes, doenças e outras desgraças antes jamais conhecias.
Não apenas os índios estão em risco e que se tornam mais vulneráveis ainda. A sociedade roraimense está sendo perigosamente afetada em sua principal fonte de água potável, os rios. Em pouco tempo, se isto não for freado, Roraima passará a sofrer severas crises hídricas, como outras capitais já enfrentaram recentemente devido à morte lenta de seus rios e reservatórios. Já esqueceram São Paulo?!
Tem ainda a contaminação da água pelo mercúrio, perigo que chega não apenas pela água como também pelo consumo de peixe. E disso os amazonenses não escapam, porque o Rio Branco deságua no Amazonas. Eles deveriam estar muito preocupados com isso também. Mas muito mesmo!
Ou seja, não tem apenas o drama dos índios, os afetados de forma imediata e feridos de mortes. Há os garimpeiros pobres, transformados em trabalhadores em trabalho análogo à escravidão, os quais são submetidos a uma orquestrada exploração que vem lá de cima, de quem tem dinheiro.
Há uma população inteira de Roraima sob risco de um “apagão” hídrico em verões rigorosos, além de populações ribeirinhas que vivem da pesca e são duramente afetados. O turismo sob risco com as praias poluídas. Sem contar que as praias de água doce são a principal fonte de lazer e descanso da população roraimense, de onde surgem outras atividades econômicas, como barqueiros, ambulantes e comerciantes que vivem exclusivamente disso.
Fora a evasão de divisa, porque o ouro extraído ilegalmente das terras indígenas nem passa por Boa Vista e acaba sendo enviado para grandes centros financeiros de forma clandestina, inclusive o contrabando internacional. E ainda tem outro grave problema, o passivo ambiental que fica para o país, com sérios danos à biodiversidade.
Significa que todos perdemos (índios e não índios) neste orquestrado e organizado movimento de garimpagem ilegal em terras indígenas. Só quem ganha é um pequeno grupo que banca e investe na exploração mineral criminosa, entre empresários, políticos e até gente dentro de escalões governamentais.
Em uma comparação grosseira, sabendo que os garimpeiros são trabalhadore desempregados pela política de governo, defender os benefícios econômicos do garimpo ilegal é como defender a movimentação financeira e econômica de qualquer tráfico.
O Brasil não pode se render a nenhum tipo de esquema ou máfia. O garimpo ilegal é um deles. A legalização da mineração está no Congresso. Que façam tudoi de acordo com o que manda a Constituição.
*Colunista