Uma antiga tática usada para silenciar críticos por meio de ações judiciais
Jessé Souza*
Uma tática antiga dos políticos não afeitos à democracia é usar a Justiça para sufocar críticos com sucessivas ações judiciais, além de provocar a autocensura por meio do medo de responder a processos. Isso não só deu tão certo em Roraima, como deixou sequelas irreparáveis em toda uma geração, pois muitas pessoas até hoje sentem calafrios só em ouvirem a palavra “processo judicial”, e assim evitam fazer críticas públicas a políticos.
Muitos jornais fecharam as portas sufocados pela “indústria da indenização”, que era uma terrível tática de guerrilha política, em conluio com advogados e até mesmo com magistrados ávidos por condenar em primeira instância, o que significava o início de um doloroso embate até a última instância, que por sua vez implicava em ter recurso financeiro não apenas para pagar banca de advogados como também eventuais depósitos judiciais milionários por condenações até que se fosse julgado o mérito ou até chegar a última instância.
Essa tática foi infalível em muitos casos, inclusive um político local que tinha poderes absolutos até recentemente, em Brasília, usa esse expediente até hoje para sufocar críticos. Essa tática também foi muito usada durante a campanha eleitoral, sufocando também a já abarrotada Justiça que caminha pesada por seu peso burocrático tradicional, alimentado por recursos procrastinatório, como também por essa “indústria da indenização” como estratagema política.
Quando se pensava que poderíamos superar isso por meio de ventos democráticos soprados por novos tempos, eis que o atual governo ressuscita essa prática como tática de guerrilha política contra o movimento indígena brasileiro, que passou não só a cobrar que o Governo Federal cumpra com seu dever na vacinação dos indígenas contra a Covid-19, como também garanta o cumprimento de seus direitos, a exemplo de combater a invasão de garimpeiros a suas terras.
O órgão indigenista, a Funai, historicamente atuante em favor dos povos indígenas, foi escalado para executar a tática de guerrilha judicial, junto à Polícia Federal, visando silenciar as lideranças que criticam e cobram o atual governo, denunciando suas omissões e suas práticas que atentam contra a vida dos indígenas, especialmente no negacionismo da vacina e nas ações que visam retardar a vacinação em massa da população, índios e não-índios.
Duas lideranças indígenas, a pedidos da Funai, órgão subordinado ao Ministério da Justiça, foram intimados pela PF sob acusação de “difamar” o governo. Uma delas foi a coordenador executiva da Associação Brasileira dos Povos Indígenas (ABPI), Sônia Guajajara. Um líder indígena de Rondônia, Almir Suruí, também foi intimado a responder por “propagar mentiras” contra o governo, em um processo de difamação.
A finalidade dessa investida contra essas duas lideranças é montar essa tática de guerrilha judicial visando calar as organizações indígenas, as quais têm denunciado incisivamente o governo, que já se vê acuado pela CPI da Covid-19, a qual já recebeu séries e graves denúncias que partiram das lideranças indígenas.
Acima disso, está o ataque à liberdade de expressão. Ações semelhantes já foram movidas contra quem chamou o presidente de “genocida” e outras lideranças politicas. Se o governo acha que vai conseguir calar o movimento indígena, inclusive já colocado como “comunista” dentro do viés ideológico, cometeu um grave erro.
O governo chamou para a briga um povo que luta há 500 anos por seus direitos para que suas populações tradicionais não sejam exterminadas. Não será uma tática de guerrilha judicial que irá silenciá-lo. Muito pelo contrário.
*Colunista