Jessé Souza

JESSE SOUZA 12119

Um resumo do que fomos e no que estamos nos tornamos hoje

Jessé Souza*

Se houvesse um bairro para servir de exemplo sobre a inversão de prioridade que vem sendo colocado em prática nas políticas públicas em Boa Vista, este seria o Professora Araceli, na zona Oeste da Capital. Aquele bairro, apesar de pequeno, é um resumo de todas as características de como a cidade cresceu e no que se tornou.

O Araceli é uma extensão do bairro São Bento, que começou de um grande invasão chamada de “Brigadeiro”, em homengem ao então governador Ottomar Pinto, já falecido, que era chamado por seus eleitores e aliados políticos pela sua patente na Força Aérea.

Esse nome só não foi oficializado devido a seus adversários políticos na Câmara, mas os invasores sabiam que chamá-lo de Brigadeiro era uma força para garantir apoio do governador da época que, de fato, agilizou a legalização do bairro, desapropriando aquela área que pertencia à Diocese de Roraima.

Mas o fato é que esses dois bairros não tinham as mínimas condições de habitação, pois surgiram no entorno da lixeira pública, que exista na época no local, e da lagoa de estabilização, que até hoje lança um cheiro fétido sobres os dois bairros. E ainda tinha uma usina asfáltica que lançava fumaça e fuligem tóxicos sobre as casas. Os moradores viviam espremidos entre o lixão, lagoa de estabilização e a usina asfática.

Porém, como na política tudo se podia naquela época, porque eram tempos de consolidação do Estado e o governador era remanescdente da ditadura militar, um coronel da política, as invasões se consolidaram, já que em Boa Vista a “indústria da invasão” sempre garantiu votos, o que ocorre até os dias atuais.

O Areceli cresceu rapidamente, pois fica numa área perto do Centro, com acesso pela BR-174, e com saída para os principais bairros da zona Oeste. Com o bairro consolidado, o que a Prefeitura fez foi priorizar a urbanização apenas na rua principal e nas secundárias que permitem a ligação com outros bairros.

Quem anda por lá tem a primeira impressão de estar numa localidade bem urbanizada e organizada. Mas é só olhar para as ruas paralelas para logo observar vias que se tornaram imensos atoleiros ou que estão completamente intransitáveis porque se transformaram em lagoas.

Enquanto isso, a Prefeitura retirou o asfalto das principais avenidas da área central de Boa Vista para colocar um novo recapeamento, numa inversão de prioridade sentida hoje principalmente no inverno, não só por moradores do Araceli, mas também por aqueles que vivem em outros bairros afastados do Centro onde as ações municipais não chegam.

Outro problema são áreas de preservação ocupadas de forma irregular, fato este que se repete em outros bairros, do mais nobre ao mais periférico. As matas ciliares do Igarapé Grande, que divide o Araceli dos demais bairros, vêm sendo poluídas por décadas pela antiga lixeira pública e continuam sendo agredidas pela lagoa de estabilização. As ocupações urbanas só completam a agressão.

O bairro Araceli escancara outro problema: a falta de semáforos que torna alguns cruzamentos perigosos, especialmente no final da rua principal, onde se forma uma perigosa encruzilhada no entrocamento com ruas secundárias, onde ninguém se entende e os riscos de colisões ou acidentes mais graves são constantes. Somos uma cidade sem mobilidade urbana.

Todos os problemas que Boa Vista enfrenta estão resumidos no Araceli, inclusive os moradores de lá chegam a enfrentar quase uma semana de falta de água, obrigando quem não tem caixa d’água a acordar de madrugada para tomar banho e juntar água em baldes para os afazeres dométicos.

E assim Boa Vista vai seguindo, com prioridades de investimento em reforma de praças públicas e jardinagem, enquanto os bairros afastados do Centro sofrem as consequências dessa política da estética, priorizada em prejuízo à infraestrutura básica. Os alagamentos representam outro desafio para quem mora na periferia.

Quem quiser fazer um estudo sobre os principais poblemas da Capital é só dar um passada pelo Araceli. Lá é um retrato do que fomos no passado bem recente, uma cidade surgida a partir de invasões eleitoreiras, e no que estamos nos tornando sem investimento no que realmente é necessário.

*Colunista