Morte do bandido mais famoso e as reflexões no país de plateias
Jessé Souza*
Definitivamente, o Brasil tem mais torcida e fanáticos do que necessariamente cidadãos. O caso da morte do bandido Lázaro ontem foi mais uma comprovação disso, em que as pessoas comemoraram o desfecho de 20 dias de caçada ao criminoso mais famoso do país como se fosse a solução dos problemas que o brasileiro vive.
Lázaro é apenas mais um bandido que servia ao sistema miliciano que se fortaleceu no país. Com a morte dele, dificilmente a opinião pública saberá quem são as pessoas que estavam utilizando seus serviços, o patrocinando em favor de uma especulação imobiliária naquela região de Goiás. Quem está comemorando muito são esses neocoronéis regionais.
Conforme foi comentado no artigo de ontem, outros “lázaros” continuam soltos e agindo em todas as regiões brasileiras, especialmente na Amazônia e no Centro-Oeste, onde os latifundiários utilizam o serviço de jagunços para amendrotar e expulsar pessoas de suas terras.
O caso Lázaro serviu apenas como um circo midiático para uma opinião pública que aprendeu a ser plateia do levanta-aplaude-senta de programas de auditórios televisivos, elegendo o mito da vez e esperando a próxima novela para prender sua atenção, enquanto o país já perdeu mais de meio milhão de pessoas na maior crise sanitária já vista em todos os tempos.
Nos grupos de WhatsApp e nas redes sociais ficou o delírio dos que chamam de herois os policiais de helicóptero que trocaram tiros com um criminoso acuado, dentro da mata, como se eles tivessem eliminado o maior mal do Brasil de todos os tempos; enquanto isso, os políticos que alimentam a esculhambação no país já estão em campo pedindo votos antecipadamente, como se já estivéssemos em período eleitoral.
O episódio da caçada ao bandido Lázaro revelou o despreparo das polícias quando um criminoso não está sozinho. Talvez fosse um bandido solitário, ou ladrão pé de chinelo na periferia de uma cidade, já havia sido escalpelado na frente da mídia, como já fizeram várias vezes em ações desastradas país afora.
Mas se tratava de um criminoso que recebia apoio de fazendeiros, fato que necessitava mais de inteligência do que policiais de elite sobrevoando por aí com óculos de visão noturna, enquanto o criminoso provalvemente assistia tudo pela TV, bem alimentado e bem protegido, enquanto a plateia fabricava um mito domoníaco.
Inúmeros criminosos agem em facções Brasil afora, a exemplo de milícias e facções que nunca são sufocadas e eliminadas. Fosse o bandido Lázaro membro de uma dessas organizações bem estruturadas, jamais teria sido alcançado, assim como as polícias não alcançam milicianos em favelas, na zona rural e nos garimpos.
Agora, já que o país resolveu a vilania midiática do momento, espera-se uma mobilização para sufocar e prender a milícia garimpeira que está agindo na Terra Indígena Yanomami, aterroziando na calha do Rio Uraricoera, a qual já atirou e lançou bomba de gás lacrimogênio contra os indígenas e até trocou tiros com a Polícia Federal.
Afinal, não se tratam de garimpeiros, pois o defensores dessa atividade não cansam de repetir que garimpeiro é trabalhador, e não bandido. Então, estão esperando o quê, já que as polícias brasileiras aprenderam mais um pouco sobre busca em matas?
*Colunista