Uma pequena radiografia para constatar que sua vida não vale nada para a política
Jessé Souza*
O fato que se pode constatar a respeito desta pandemia é o seguinte: os políticos não dão a mínima para a vida das pessoas. É exatamente isso que ficou bem evidenciado em todas as investigações que estão em curso e o desenrolar dos fatos políticos, tanto em nível local quanto nacional, em se tratando da aplicação de recursos de combate ao coronavírus.
Começando de cima para baixo, a Comissão de Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, no Senado, tem apontado que, enquanto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) negava a vacina e amenizava a gravidade do coronavírus, aliados e assessores articulavam um verdadeiro achaque para pedir propina na negociação do governo brasileiro para comprar vacina destinada à imunização em massa da população.
O reflexo desta demora com o flagrante adiamento da decisão para comprar vacina, com o prolongamento por mais tempo diante das negociatas para pedir propina das empresas, são as mais de 500 mil mortes de brasileiros e brasileiros que não tiveram tempo de se imunizar.
Em Boa Vista, no momento crítico da pandemia, a então prefeita Teresa Surita, com apoio do ex-senador Romero Jucá (ambos do MDB), líder de seu grupo, negava a responsabilidade das Unidades Básicas de Saúde (UBS) na prevenção e combate à doença, deixando a população à própria sorte e sem sequer conseguir testes no atendimento básico.
Enquanto os pacientes não encontravam acolhimento nas UBS, muito menos testagem em massa, eram obrigados a recorrer ao Hospital Geral de Roraima (HGR), com seu quadro de saúde agavaado, o qual já estava superlotado desde o início da imigração desordenada dos venezuelanos. E muitos perderam a vida à míngua naquela unidade estadual.
Em vez de agir no atendimento básico, ao menos para garantir a testagem em massa da população, Teresa e Jucá optararm por abrir uma guerra política particular com o governador Antonio Denarium (sem partido), que já estava enrolado com as seguidas trocas de secretários de Saúde, sob suspeitas de corrupção, e com uma saúde pública caótica.
Apesar de todas as críticas e diante da cobrança de que o atendimento básico fizesse sua parte, a Prefeitura de Boa Vista fazia corpo mole, enquanto a então prefeita Teresa concentrava todos os esforços em reforma de praças públicas, cujas obras eram inauguradas em meio à pandemia, e na construção do Parque Rio Branco, onde foi erguido o mirante.
A pressa era tanta com essa obra, que custou quase R$135 milhões, que o Parque Rio Branco foi inaugurado ao fim da administração de Teresa, mesmo ainda inacabado, e com aglomeração do público no local, inclusive com fogos de artifício, diante das mortes por coronavírus na maior crise sanitária da história do país.
Para surpresa de todos, o mirante inaugurado ainda recebeu o nome de uma vítima do coronavírus, que era a candidata a vice-prefeita e contraiu a doença durante a campanha eleitoral. O Parque foi erguido também sobre as mortes de cententas de roraimenses. Além disso, a obra foi construída com prioridade pela mesma empresa que estava realizando o asfaltamento da cidade, obra que atrasou e teve que ser aditivada.
Nesse meio tempo de pandemia, o governador Antonio Denarium andava enrolado com a guerra política com Teresa e Jucá, negociava acordos políticos para troca de secretários na Secretaria Estadual de Saúde, enquanto dizia que nada sabia sobre o que ocorria naquela pasta, cujos seguidos secretários saíam sob suspeita da corrupção sistêmica que se instalou naquela pasta há muito tempo.
Na campanha eleitoral, em troca de apoio político para compor sua futura candidatura, Denarium entregava fatia expressiva do governo para um grupo político lançar a candidatura da deputada federal Shéridan de Oliveira (PSDB) para a Prefeitura de Boa Vista. Tudo isso enquanto o vírus avançava.
Não custa lembrar que este grupo de Shéridan era composto pelo senador Mecias de Jesus e seu filho, o deputado federal Jhonatan de Jesus (ambos do Republicanos), e o senador Chico das Verduras (DEM), além do deputado federal Haroldo da Cathedral, que colocou seu filho, Zé Haroldo (ambos do PSD), como vice-prefeito da chapa.
Um dos cabeças desse grupo, o senador Chico Rodrigues, que era vice-líder do governo Bolsonaro, foi alvo de uma operação da Polícia Federal que investiga um esquema milionário de recursos destinados ao combate do coronavírus. O episódio ficou conhecido como o caso do dinheiro na cueca, em que o senador foi flagrado com cerca de R$30 mil em suas partes íntimas. Para não esquecer: o senador Telmário Mota (PTB) ainda é citado nesta investigação.
Tem mais. Enquanto o povo cobrava vacinação em massa, os senadores Telmário Mota e Mecias de Jesus estavam sendo citados no escândalo da maior apreensão de madeiras ilegais no Amazonas, em que o delegado Alexandre Saraiva sofreu represálias por essa atuação e denunciou Telmário, por tentar impedir a investigação, e citou Mecias por tentar intermediar a liberação da madeira apreendida.
Para contextualziar, nesse escândalo, o delegado foi exonerado do cargo de superintendente da PF no Amazonas depois de ter denunciado o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por estar envolvido com a madeireira alvo da investigação, que por sua vez passou a ser investigado e acabou pedindo demissão do cargo recentemente.
Existem outros episódios, advindos da CPI da Saúde em Roraima, onde o irmão do governador e dois deputados estaduais chegaram a ser citados, mas estes fatos assinalados acima são suficientes para comprovar que, enquanto as pessoas morriam nos hospitais e outras quase sucumbiam ao terrível vírus, os políticos estavam voltados para os seus interesses particulares e políticos, ou de seus grupos.
Então, existe ainda alguma dúvida de que sua vida não vale absoutamente nada diante dos interesses políticos ou pessoais? Fica o questionamento para uma reflexão nesse fim de semana.
*Colunista