Jessé Souza

JESSE SOUZA 12275

Em terra fértil para esquemas, a enganação de que estamos numa ‘nova política’

Jessé Souza*

A pandemia do coronavírus serviu para escancarar de vez os esquemas de corrupção que sempre existiram no limbo da saúde pública e que continuaram mesmo diante dos discursos de uma “nova política” baseada na moralidade do bem público, no amor à Pátria, na família, Deus e nos bons costumes.

O fato é que está comprovado que não será possível mudar o Brasil de cima para baixo, apenas pela mudança de grupo político no poder, enquanto persistir toda uma geração contaminada pelo “jeitinho” e pelos esquemas enraizados secularmente desde os senhores da Casa Grande.

O Estado de Roraima é só mais um exemplo no país onde a política é tratada como negócio para ganhar dinheiro desde o momento de comprar o voto do eleitor vendilhão até lá na ponta, quando são destinados recursos para aplicação em quaisquer setores, a exemplo da saúde pública.

O caso do dinheiro na cueca foi apenas o mais conhecido de todos pela repercussão nacional. Mas os esquemas estão espalhados por toda a sociedade, desde a propina para amenizar a fiscalização até a atuação dos políticos na hora de aplicar os recursos públicos, com suas porcentagens e negociatas.

Até mesmo onde não se imagina e lá estão os escândalos. O caso da Cooperativa Grão Norte, de onde foram desviados dos silos cerca de 11 mil toneladas de grãos, carga avaliada em R$12,8 milhões, é apenas mais um com a diferença que até o governador do Estado foi alvo do desvio milionário praticado nos anos de 2018 e 2019. Isso apenas para ilustrar mesmo.

Existe ainda o grande escândalo da empresa By Money, que aplicou um golpe milionário por meio de uma pirâmide finaceira, crime este que está sendo alvo de investigação da Polícia Federal. A empresa teria movimentado R$ 90 milhões em operações financeiras ilegais, cujas vítimas são pessoas que aplicaram dinheiro acreditando num retorno bem alto.

O curioso deste caso é que, de vítimas, muitos desses 500 investidores passaram a ser investigados também. Obviamente que havia várias pessoas que acreditaram na promessa de um ganho acima do mercado (20% de juros ao valor investido) aplicando seu suado dinheiro de trabalhador honesto. Mas…

A questão é que surgiram fortes indícios de que havia políticos e outras autoridades lavando dinheiro por meio desse investimento. Para se ter uma ideia, eram juízes, promotor de justiça, delegados e agentes da Polícia Civil, policiais federais, deputados estaduais e vereadores, que empregaram altos valores na By Money, além de parentes de parlamentares e grandes empresários.

Conforme a PF, dentro dessa lista havia um deputado que chegou a investir R$ 700 mil e uma empresária que aplicou R$ 6 milhões! As investigações apontam que alguns daqueles que investiram altos valores não têm um padrão de vida compatível com o investimento apresentado no golpe da gestora financeira.

Só aí dá para se ter uma ideia do país que temos, em que os esquemas florescem em qualquer terreno fértil para a corrupção, independente de esquerda ou direita, de religião ou ideologia. Nem uma pandemia, quando a vida de toda a população está em jogo, os corruptos sentem-se intimidados. Pelo contrário, o momento é visto como uma melhor possibilidade de se locupletar.

Ou assumimos nossa postura de cidadão ou não teremos mais jeito. Não o “cidadão de bem”, porque isso é um pleonasmo. O verdadeiro cidadão nunca é do mal. A propósito, a expressão “do bem” já é uma velhacaria para se apresentar-se superior e melhor do que o outro.

O Brasil precisa se reiventar. E isso começa pelo cidadão que aprendeu a colocar a culpa somente nos políticos ou culpar políticos de acordo com sua ideologia, alimentando a prática do “corrupto de estimação”. Se não for a partir do cidadão, essa mudança não passará de uma enganação, como estamos vendo nessa “nova política” em tempo de pandemia com desvios na saúde pública.

*Colunista