O emoji de banana e os absurdos que ocorreram nos últimos dias no Estado
Jessé Souza*
Um caso que tem chamado a atenção, nesses últimos dias, é o da advogada Isabela Bueno de Sousa, 49, que se tornou ré por injúria racial depois de usar um emoji de banana para responder uma colega de profissão negra em um grupo de WhatsApp, conforme decisão tomada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
Tal episódio se encaixa bem a respeito do artigo publicado por esta coluna, na edição do dia 23 passado, sob o título “Liberdade de expressão e suas consequências para quem acha que tudo pode”. O curioso é que, enquanto o caso do emoji de banana ganhava destaque, anteontem, no mesmo dia áudios repugnantes viralizavam nos grupos de WhatsApp em Roraima.
Em um dos áudio, um homem comete injúria racial como também incita as pessoas a matarem os índios colocando veneno em um fardo de açúcar. Outro homem não só concordou como sugeriu em outro áudio que, em vez de açúcar, deveriam colocar veneno em garrafas de cachaças para que fossem entregues aos índios, pois ele entendia que os indígenas gostavam mais de cachaça do que de açúcar.
Em vez de o ato ser imediatamente recriminado por administradores e demais membros dos grupos, os áudios serviram de base para mais conteúdos racistas, disfarçados de piadas, além de serem replicados em inúmeros outros grupos de WhatsApp. A legislação é bem clara ao definir que internet não é terra sem lei. O que deve ser feito por quem não concorda é denunciar o fato, se manifestar contra ou mostrar repúdio.
É hora de as autoridades investigarem esse caso e punir os envolvidos, bem como todos aqueles que ajudaram a compartilhar e reforçar o conteúdo criminoso como se fosse apenas uma piada. É gravíssimo diante de um momento crítico pelo qual passa o país, em que as pessoas querem transformar liberdade de expressão em liberdade para atacar pessoas e o Estado de Direito democrático.
O fato que gerou esses comentários racistas foram as barreiras montadas nas rodovias, tendo como principal episódio a decisão da Justiça estadual que mandou a Polícia Militar desativar a barreira de fiscalização montada na região de Uricuri, na RR-171, que dá acesso à sede do Município do Uiramutã, que fica dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cujo caso é emblemático porque foi até o Supremo Tribunal Federal (STF), que confirmou a legalidade da homologação daquela terra indígena.
A decisão judicial que mandou desmontar a barreira gera uma discussão, uma vez que, mesmo o STF tendo confirmado a homologação daquela terra indígena, uma das 19 condicionantes impostas na decisão do Supremo retira as rodovias dos domínios da área homologada. Mas esta é uma discussão jurídica que certamente será decidida nos tribunais.
O que importa é que os povos indígenas estão dentro de suas terras homologadas e reconhecidas pela mais alta Corte brasileira. Se existiu ilegalidade ou excessos nas barreiras montadas por eles, que isto seja decidido pela Justiça. O que é inadmíssivel é a campanha ostensiva e gratuita contra os indígenas, ultrapassando todos os limites toleráveis a ponto de ser sugerido que os indígenas sejam envenenados.
Essas barreiras fiscalizatórias deveriam estar sendo feitas pelas autoridades federais, principalmente pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que se foi desmantelada e hoje tornou-se apenas um cabide de emprego. É a ausência do poder público, que mal consegue vigiar as fronteiras, que obriga os indígenas a montarem barreiras sanitárias por causa da pandemia e de fiscalização contra o garimpo ilegal bem como acesso a bebida alcóolica, que é proibida pela legislação em terras indígenas.
Conforme já foi frisado, os atos fiscalizatórios podem até ser questionados, como foi feito e culminou com a decisão da Justiça estadual. Mas é inaceitável a campanha ostensiva contra os povos indígenas, ultrapassando qualquer barreira da livre manifestação de pensamento. É necessário que as autoridades hajam para responsabilizar aqueles que praticam injúria racial e incitam a população contra os povos indígena. Já basta a sociedade antiindígena que temos.
*Colunista