Enredo de obras milionárias que espera pela ação de nossos fiscalizadores municipais
Jessé Souza*
Já passou da hora de os vereadores de Boa Vista mostrarem a cara para que passem a cumprir o papel para o qual foram eleitos e pelo qual são bem pagos, que é fiscalizar o Executivo municipal. O inverno acabou e não há mais desculpa para a Prefeitura não realizar obras de recuperação e asfaltamento de ruas e avenidas da Capital, em especial nos bairros periféricos, na zona Oeste.
Desde as eleições municipais passadas, a Prefeitura passou a asfaltar somente as vias centrais da cidade, especialmente aquelas que interligam o Centro aos bairros nobres, na zona Leste, a exemplo das avenidas Ville Roy, Capitão Júlio Bezerra e Brigadeiro Eduardo Gomes, além da Brigadeiro Eduardo Gomes, onde fica o complexo Ayrton Senna. Enquanto isso, os bairros mais populosos e mais pobres ficaram na buraqueira, com ruas sem asfalto, na lama ou na poeira.
Refrescando a memória, em fevereiro de 2020, a então prefeita Teresa Surita (MDB) assinou contrato com a empresa Coema Paisagismo, Urbanização e Serviços Ltda, no valor de R$40,6 milhões, para que fossem realizadas obras de drenagem, pavimentação, recapeamento e urbanização de Boa Vista.
Além da flagrante inversão de prioridade, a empresa retirou o asfalto dessas principais avenidas do Centro para que essas vias pudessem receber um asfalto novinho em folha, mesmo que essas vias estivessem em boas condições. Não bastasse isso, a Coema passou a dar prioridade para as obras do Parque do Rio Branco, cuja ordem era concluir o serviço até dezembro daquele ano, fim do mandato de Teresa.
Em anos anteriores, a Coema foi acusada de fraude em contrato com o Governo de Roraima em 2013, quando o Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR) pediu a condenação de representantes desta empresa por improbidade administrativa exatamente em obras de recapeamento de ruas em Boa Vista sob a acusação de fraude licitatória.
Apesar daquela denúncia feita pelo MPRR, a Prefeitura fez dispensa de licitação,em 2020, em favor da Coema, para as mesmas obras para as quais a empresa havia sido contratada um ano antes: drenagem, terraplanagem, pavimentação asfáltica e urbanização na Capital, cujo valor do contrato foi de R$ 2.704.099,53.
Ainda no ano de 2019, a empresa já havia assinado três contratos com a Prefeitura: um no valor de R$2,4 milhões, para reforma da minúscula praça do bairro 13 de Setembro; outro no valor de R$1,4 milhão, para construir uma praça no bairro Cinturão Verde; e outro no valor de R$6,3 milhões, para uma nova reforma da Vila Olímpica, localizada no bairro Olímpico.
Com relação à obra do Parque do Rio Branco, a Coema assinou contrato de R$ 58,4 milhões para erguer aquela obra durante o pior período da pandemia, no ano passado. Na Vara da Fazenda Pública da Comarca de Boa Vista, tramitou um mandado de segurança que contestava a decisão da Prefeitura de supostamente favorecer o consórcio de empresas, formado pela Sanches Tripoloni e a Coema.
Outro fato é que a Sanches Tripoloni foi declarada inidônea pelo Tribunal de Constas da União (TCU), em 2009, o que significa dizer que ela ficou proibida de fazer negócio com a administração pública. A empresa tornou-se alvo de processos que cobram ressarcimento aos cofres públicos por irregularidades e superfaturamento, inclusive com a Polícia Federal fazendo busca e apreensão na sede da Sanches Tripoloni, no Mato Grosso do Sul.
No ano de 2019, a Prefeitura contratou a Sanches Tripoloni para fazer uma obra de reparo da Orla Taumanan, cuja obra não foi concluída até hoje. O valor do contrato, sem licitação sob alegação de emergencial, foi de R$324 mil para reparos na estrutura da plataforma baixa da “velha orla”. Em anos anteriores já haviam sido realizadas duas obras de reforma na Orla Taumanan, em que uma delas custou R$2,8 milhões.
Parece um enredo complicado, em princípio. Mas é que as obras municipais se entrelaçam entre si a partir das empresas contratadas, cujos processos licitatórios nunca são transparentes o suficiente para que o cidadão leigo possa acompanhar pelo Portal de Transparência. Por isso, chego a hora de os veradores agirem.
É necessário fiscalizar o que ocorreu com os R$40,6 milhões pagos para a Coema realizar novas obras de drenagem, pavimentação, recapeamento e urbanização de Boa Vista. Também é necessário saber mais sobre a obra do Parque Rio Branco, que consumiu R$134,4 milhões, dos quais R$58,3 milhões foram para a Coema, mas ainda assim a lama que transborda do parque alaga as casas no entorno.
Os órgãos de controle também precisam ver o que está ocorrendo com a terceira obra de reforma seguida da Orla Taumanan, cuja empresa responsável é a parceira da Coema, a Sanches Tripoloni, conforme foi relatado acima. Afinal, a obra segue interminável, sob a cumplicidade dos vereadores que deveriam estar fiscalizando desde o início de seus mandatos.
Como se pode notar, motivos não faltam para os vereadores honrarem os seus salários e justificarem os votos que receberam. Nem precisa de CPI para fiscalizar, uma vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) deu uma recente decisão informando que os documentos sobre essa obras são públicas. Então, vamos trabalhar? Ou será que já existe alguma força oculta agindo por lá?
*Colunista