Um alerta ignorado em 2019 e as notícias corriqueiras que deveriam chamar a atenção de todos
Jessé Souza*
O sinal vermelho foi ligado ainda em junho de 2019, quando a imprensa nacional divulgou os dados do Comex Stat, portal do Ministério da Economia sobre comércio exterior, dando conta de que 194kg de ouro oriundo de Roraima foram exportados para a Índia desde setembro de 2018, sem que o Estado tivesse alguma exploração de ouro legalizada. Inclusive a informação foi replicada pela mídia local.
Obviamente que todo esse volume de minério vinha sendo subtraído e surrupiado das terras indígenas, em especial da Terra Indígena Yanomami, já naquela época invadida por milhares de garimpeiros, além da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A corrida pela garimpagem havia aumentado desde quando o presidente Jair Bolsonaro passou a dar seguidas declarações favoráveis ao garimpo e prometendo reabrir a mineração.
Antes dessa divulgação de incentivo ao garimpo ilegal, pescadores e ribeirinhos já haviam notado que as águas dos principais rios roraimenses, afluentes do Rio Branco, como o Uraricoera e o Mucajaí, estavam sendo tomados por uma lama espessa, comprometendo a qualidade da água, das praias e afugentando ou mantando os peixes, além da ação invisível do mercúrio.
Porém, o Governo Federal sequer tomou atitudes severas para frear a garimpagem ilegal. Ao contrário, mobilizou toda a base aliada para apressar projetos que legalizam a mineração em terras indígenas e retiram direitos dos povos indígenas sobre suas terras. Ao mesmo tempo em que os órgãos ambientais (Ibama e ICMBio) foram desmobilizados e desestruturados, assim como ocorreu com o órgão indigenista (Funai).
Da mesma forma, a Polícia Federal demorou a receber ordens para combater o garimpo ilegal nas terras indígenas, sob o imobilismo do Exército, cuja principal missão, em Roraima, passou a ser comandar a operação de acolhida a venezuelanos que chegam diariamente ao Estado pela desprotegida fronteira com o país vizinho.
Com tamanha negligência e imobilidade dos órgãos governamentais, bem como declarações de incentivo dos políticos à atividade ilegal e a inércia do Ministério da Justiça, a situação do garimpo só piorou nesses três anos que se seguiram, com constantes denúncias de graves violências contra indígenas, a exemplo do mais recente caso de estupro e morte de uma criança Yanomami, além do desaparecimento de um bebê Yanomami.
E as notícias na imprensa são quase que diárias a respeito do reflexo dessa atividade ilícita, como a apreensão de ouro em pó e em barra no Anel Viário e a execução de um empresário que investia no garimpo. Isso apenas para lembrar das notícias divulgadas nas últimas 48 horas. Porque os casos são vários, a exemplo da execução de três pessoas em acerto de conta por causa do garimpo na Raposa Serra do Sol, no dia 03 de abril, mais precisamente no Município de Normandia.
Uma breve pesquisa no Google pode apresentar uma lista de crimes cometidos em garimpo nas terras indígenas ou em consequência dele. Mas nem isso é capaz de frear a sanha dos políticos em favor do que é ilegal. Se nada mais incisivo for feito pelo governo brasileiro, o Estado de Roraima continuará sendo manchete negativa na imprensa nacional e internacional, com perdas de vida e muita violência tanto nas áreas indígenas quanto nos centros urbanos.
E ainda ficaremos com o alto passivo ambiental, cujo tema não desperta o menor interesse nos políticos defensores do garimpo e nos que pregam a defesa do meio ambiente como uma paranoia de esquerdista. Anotem mais isso. Porque em 2019 foi dado o principal alerta, o qual foi ignorado.
*Colunista