É hora de se espelhar no terceiro setor e discutir o que faremos com a imigração desordenada
Jessé Souza*
Em vez de alimentar a demonização das Organizações Não Governamentais (ONGs), em Roraima, os políticos deveriam estar muito preocupados com as informações de que o Exército Brasileiro já estuda a possibilidade de se retirar da Operação Acolhida, uma ação que deveria ser emergencial de acolhimento de venezuelanos que chegam em massa ao Estado, mas que perdura por quatro anos.
Embora a ação de acolhimento conte com recursos orçamentários, pessoal e logística dos militares, a linha de frente desse trabalho tem a participação de ONGs, sem as quais a situação estaria bem mais difícil. As ONGs geralmente atuam aonde os governos não costumam chegar, seja por descaso, por falta de vontade política, a exemplo do que ocorre no atendimento à saúde indígena, ou para beneficiar grupos poderosos.
O Estado de Roraima sofre todos os reflexos da imigração desordenada, especialmente com os governos locais tendo que reforçar a atenção com a saúde, educação e segurança pública, os quais são setores primeiro a serem exigidos. O Município de Amajari, na fronteira com a Venezuela, vive uma realidade de terra arrasada porque a cidade não consegue dar a resposta necessária à imigração desordenada.
Daí a necessidade de os políticos estarem preocupados, desde já, em apontar soluções para uma transição tranquila com a possível saída do Exército para que as atribuições sejam assumidas por todos, inclusive com a participação de grandes empresas que precisam dar sua contrapartida de alguma maneira.
O terceiro setor tem sido importante para amenizar os impactos, com papeis importantes para garantir o mínimo de dignidade a quem chega sem nada. Mas as ONGs não conseguirão assumir toda a estrutura e atribuições das ações de acolhida, que requer realmente uma estrutura de guerra para fazer esse acolhimento e acompanhamento dos migrantes até a interiorização de boa parte deles.
Então, torna-se necessário pensar em como assumir essas novas responsabilidades, inclusive com destinação de recursos orçamentários, caso realmente haja uma preocupação em evitar o caos social a partir do fim da Operação Acolhida da forma que é conhecida hoje, com o Exército tendo sua principal atuação na acolhida de estrangeiros que buscam refúgio.
Preocupar-se com essa transição é questão de prioridade, assim como é necessário devolver a dignidade de quem mora em Pacaraima, largada pelo Governo Federal e submetida à incompetência das autoridades municipais vencerem os desafios, pois aquela população vive o destroçamento político também, o que ficou evidente com as operações policiais e a cassação do prefeito.
Essa é a importância de os políticos estarem reconhecendo a importância e a força das ONGs em Roraima, sem as quais a população estaria enfrentando situação muito pior na questão da imigração desordenada. Também é graças às ONGs que o povo Yanomami consegue resistir à invasão de milhares de garimpeiros, enquanto o governo e os políticos aliados tentam reduzir direitos e abrir as terras indígenas para o garimpo.
Enquanto tudo isso ocorre, como um caldeirão fervilhando, obrigando todos a enxergarem um pouco mais à frente, há um segmento que tenta macular esse trabalho do terceiro setor e colocar todas as ONGs no mesmo buraco escuro da politicalha a fim de favorecer o garimpo ilegal e florescer políticos ligados a essas atividades ilegais, conforme vem apontando a Polícia Federal em suas investigações.
*Colunista