Jessé Souza

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Prefeituras pobres como galinha dos ovos de ouro para shows artísticos

Jessé Souza*

A contratação de artistas nacionais por prefeituras para realização de shows em data festivas, sem licitação, está amparada na legislação. Mais especificamente no artigo 25 da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), a qual  diz textualmente: “para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública”.

O que deve ser coibido e punido é a utilização de intermediários nessa contratação, cumprindo o que diz a legislação sobre a dispensa de licitação, que só deve ocorrer somente nos casos de contratação direta com os empresários dos artistas. Afinal, é de domínio público que políticos corruptos sempre usam intermediários para cobrar propinas e fazer caixa 2

Os órgãos de controle precisam estar atentos, também, ao desvio de finalidade da verba para que o dinheiro do pagamento do artista não seja proveniente de recursos desviados de setores essenciais, como é o caso em investigação em que a Prefeitura de Mato Dentro (MG)  pagou 50% do cachê ao cantor Gusttavo Lima, que cobrou o valor de R$1,2 milhão para um show a ser realizado no dia 20 deste mês.

Conforme o Ministério Público de Contas, a cidade mineira está usando recursos da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), que é um tributo pago pelas mineradoras ao Governo Federal, que por sua vez repassa aos municípios. Só que esse recurso só pode ser usado “na forma de melhoria da infraestrutura, da qualidade ambiental, da saúde e da educação”.

Toda essa polêmica em torno do cantor, em nível nacional, começou a partir da decisão do  Ministério Público de Roraima, que abriu inquérito para investigar a contratação do show der Gusttavo Lima, no valor de R$ 800 mil, pela Prefeitura de São Luiz (do Anauá), no Sul do Estado, cuja apresentação está prevista para dezembro.

O cantor é um dos que compactuam com a crítica de cantores sertanejos à Lei Rouanet, a qual passou a ser alvo de ataques de bolsonaristas como bandeira ideológica contra a esquerda. Conhecida como Lei de Incentivo à Cultura (Lei Nº 8.313/1991), ela foi criada e sancionada em 1991 pelo então presidente Fernando Collor de Mello, a qual autoriza artistas e produtores a captar recursos de empresas privadas para financiar projetos culturais.

Em troca desse apoio, a lei permite que pessoas físicas e jurídicas destinem parte dos recursos que iriam para o pagamento do Imposto de Renda para o financiamento de obras artísticas. Porém, o país começou a descobrir que os mesmos críticos da Lei Rouanet recebem recursos públicos direto das prefeituras, sem licitação, muitas delas no interior dos centros urbanos, onde os recursos são escassos para aplicar em infraestrutura básica.

Agora, resta saber de onde está sendo tirado o recurso para estes shows e se realmente essas contratações sem licitação estão levando algum benefício para a população desses municípios pobres. Ou se há algum intermediário. No caso do município roraimense, São Luiz do Anauá tem uma população estimada em 8 mil habitantes, com o segundo menor PIB do Estado de Roraima. Haverá ainda outros shows e eventos, o que totaliza um gasto de R$3 milhões na vaquejada a ser realizada no fim do ano.

Os vereadores, que em tese são os fiscais e representantes da população, precisam avaliar se este gasto irá provocar reflexos positivos, como geração de emprego renda, além de fomentação do turismo; ou se a população vai ficar apenas com o lixo (e outras poluições), perturbação do sossego, insegurança, depredações de bens públicos e privados; ou outros problemas  provocados quando há uma invasão de milhares de pessoas a uma cidade pequena, sem estrutura adequada.

Em outras cidades do interior roraimense, especialmente em áreas turísticas, os prejuízos com esses eventos são bem maiores que os benefícios, a exemplo dos vendedores ambulantes, que saem de Boa Vista e não pagam nenhuma taxa para o município, bem como deixam o lixo para trás, obrigando a prefeitura local a ter um ônus a mais, além de milhares de  pessoas fazendo suas necessidades na frente das residências, dos comércios e em via pública.

A discussão está lançada e as investigações prosseguem. Pelo menos, até aqui, o país descobriu que prefeituras pobres do interior desse imenso país são a galinha dos ovos de ouro  que estão enchendo os bolsos de artistas que criticam a Lei de Incentivo à Cultura, como se ela fosse uma aberração de esquerdistas.  

*Colunista