Jessé Souza

Jesse Souza 14009

Antes alvo da cobiça internacional, Amazônia é última fronteira do crime organizado

Jessé Souza*

O caso do sumiço do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, na região do Vale do Javari, próxima à tríplice fronteira (Peru, Colômbia e Brasil), permite uma análise sobre o que está em curso na fronteira Norte do país, mais precisamente na Amazônia, onde estão terras indígenas cobiçadas por madeireiros, garimpeiros e traficantes.

A região é dominada por organizações criminosas que atuam em ações ilegais na extração  de madeira e no garimpo, além de ser uma rota estratégica para escoamento de armas e drogas. Trata-se de um fato muito semelhante ao que está ocorrendo na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, onde o crime organizado também está dominando a extração ilegal de ouro e outras ações criminosas.

Significa que o crime organizado deixou de atuar somente nas favelas e periferias brasileiras para se instalarem nos confins da Amazônia, especialmente em terras indígenas, onde os faccionados fazem suas próprias leis e encontram facilidades para todas as atividades ilícitas, uma vez que por lá não existe polícia nem os poderes constituídos costumam chegar.

É preciso lembrar que o garimpo ilegal e as atividades madeireiras clandestinas ganharam força nos últimos, quando o atual governo assumiu com a proposta de abrir as terras indígenas para todo tipo de exploração e abrandar as legislações ambientais, além de enfraquecer os órgãos ambientais na mesma medida que dificultava a ação da Polícia Federal.

No Vale do Javari a situação é bem mais complexa porque passou a ser alvo de disputa entre facções de narcotraficantes brasileiros e estrangeiros. Na Terra Yanomami, embora outras facções buscam o controle do garimpo ilegal, não há uma rota estabelecida do narcotráfico, porém fica na fronteira com a Venezuela, um país em frangalhos dominado pela corrupção, o que fortalece o crime binacional organizado.

Significa que, defender o garimpo em terras indígenas ou a liberação do garimpo aos moldes do que é praticado atualmente na Amazônia, é o mesmo que apoiar o avanço do crime organizado nas áreas de fronteira que está se estabelecendo graças à atual política governamental, que incentiva a garimpagem ilegal e a invasão de terras indígenas; e isso sem contar com a sanha de grupos milicianos que se sentiram fortalecidos.

O pai de família que defende o garimpo em terras indígenas, e acha que um dia poderá garimpar de bateia na mão ou com um maquinário dentro da floresta, serve apenas como massa de manobra deste grande movimento que está em curso, onde o crime organizado está se apoderando da Amazônia. É preciso ficar atento ao que está ocorrendo.

Que este caso do desaparecimento do jornalista estrangeiro e do indigenista brasileiro sirva para chamar a atenção da sociedade, seja qual for o desfecho. Até aqui, pelo menos já se sabe que a Amazônia, antes alardeada como alvo de uma trama maligna da cobiça internacional, agora está sendo loteada pelo crime organizado desde o início da década de 2000, ação que se fortaleceu nos últimos três anos.  

Tempos sombrios.

*Colunista