Jessé Souza

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Com os olhos voltados ao Vale do Javari, os fatos seguem na Terra Yanomami

Jessé Souza*

Neste momento em que os olhos do mundo estão voltados para a Amazônia, no Vale do Javari, onde desapareceram um jornalista estrangeiro e um indigenista brasileiro, próxima à tríplice fronteira Peru, Colômbia e Brasil, onde rios e igarapés são usados por narcotraficantes, madeireiras e garimpeiros, na Terra Indígena Yanomami o garimpo ilegal continua fazendo estragos e provocando tragédias, no Norte do País.

Na semana passada, mais um piloto de aeronave morreu na queda do helicóptero que ele pilotava em uma área de garimpo ilegal na Terra Yanomami.  Assim como nos demais casos, este fato revela o poderio que os garimpeiros possuem: internet, armas de fogo, barcos potentes, abastecimento de combustível, maquinários para prospecção, helicópteros e outras pequenas aeronaves que pousam em pistas clandestinas.

Enquanto crimes são cometidos pela exploração ilegal de minério (sonegação fiscal, crimes contra ordem tributária e crimes contra o sistema financeiro), as populações indígenas sofrem o pior ataque desde que a terra foi demarcada há três décadas, conforme aponta o relatório “Yanomami sob Ataque“, produzido por associações que representam a etnia, especialmente nas calhas dos rios Uraricoera e Mucajaí, na região de Waikás.

Nessa região é que  pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz identificaram o maior índice de contaminação de indígenas por mercúrio, metal pesado utilizado para separar o ouro das impurezas, o qual é lançado nos rios, contaminando os peixes, principal fonte de proteína dos Yanomami, e toda cadeia alimentar daquelas populações. Para se ter uma ideia, para produzir 1Kg de ouro são aplicar até 8Kg de mercúrio.

O pesquisador que liderou a equipe da Fiocruz, Paulo Basta, em entrevista ao The Intercpet Brasil, no dia 7 passado, afirmou os estudos indicam que a concentração de mercúrio no cérebro do feto das mulheres grávidas Yanomami é de cinco a sete vezes maior do que no cérebro do adulto. E olha que esta pesquisa foi feita em 2014, antes da invasão garimpeira crescer em 3.350%, conforme os cálculos do Mapbiomas, de 2016 a 2020.

Esse é apenas um dos grandes problemas que ameaça o presidente e o futuro dos Yanomami. Existe ainda o avanço severo da degradação ambiental que ameaça a biodiversidade da floresta amazônica e põe em andamento o sério risco de crise hídrica na região. Não apenas isso. Também está em processo de construção um novo poder paralelo a partir da união do garimpo com o crime organizado.

Veja o que disse o pesquisador Paulo Basta na entrevista: “Onde o Estado não está presente, o crime domina e dita as regras. O tráfico e o garimpo agora estão de mãos dadas. As pessoas que trabalham no garimpo também adoecem e acabam consumindo os parcos recursos médicos que são destinados às populações tradicionais. Tem alguns postos de saúde que não estão em funcionamento, porque as equipes de saúde não vão para a área com medo de violência. Outros postos foram mesmo tomados pelo garimpo. E o Estado brasileiro fica de braços cruzados”.

E disse mais: “Além da cooptação das lideranças, da divisão da sociedade local, da violência instituída com armas, violência sexual e drogas, o garimpo passou a controlar os serviços de saúde e distribuição de remédios. Eles têm controle também sobre o sistema de comunicação. A Secretaria Especial de Saúde Indígena existe há mais de 10 anos, o sistema de saúde indígena opera há mais de 20 anos nesses territórios e não tem uma antena para usar a internet. Os garimpos chegaram há menos tempo e já possuem estrutura de comunicação, restaurantes, unidades de saúde e alojamentos”.

Com o caso de grande repercussão no Vale do Javari, espera-se que as autoridades se atentem ao que está em construção na região amazônica pelo crime organizado a partir do garimpo ilegal. A morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips não pode ficar em vão. A soberania na Amazônia precisa ser resgatada para o bem do futuro do país.

*Colunista