Jessé Souza

Jesse Souza 14080

Uma matéria de jornal que resume a realidade que envolve o garimpo ilegal

Jessé Souza*

A notícia é bem explícita e sem arrodeio: uma empresária, que se diz dona de garimpo na Terra Indígena Yanomami, foi presa com um arsenal de armas de fogo durante o cumprimento de mandado de prisão contra  um foragido da Justiça do Amapá. A notícia foi publicada na tarde deste domingo, 19. A matéria reúne todos os elementos que envolve o garimpo ilegal.

Ou seja, a proprietária de uma fazenda no Município do Alto Alegre, localizada numa região nos arredores da terra indígena, que banca uma frente de garimpo ilegal, mantinha em sua propriedade um foragido e ainda possuía várias armas de fogo com fartas munições. Levada à Polícia Federal, pagou fiança de R$45 mil para não ficar presa.

Garimpo ilegal. Foragido da Justiça. Munições. Armas de fogo sem registro.  Muito dinheiro para pagar a fiança. Esse é um típico resumo do que a exploração ilegal de ouro em terras indígenas reúne na sua essência. É por isso que não se pode defender a legalização do garimpo enquanto as atividades ilícitas estiverem no comando. Além disso, não se pode tentar legalizar essa atividade da forma que o governo quer, por meio de um projeto de lei sem qualquer discussão

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 231, parágrafo 3º, diz que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser legalizadas com autorização do Congresso Nacional, consultadas as comunidades indígenas afetadas, ficando-lhes garantida a participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

O artigo 176 da Constituição reforça que a pesquisa e a lavra em áreas de fronteira e terras indígenas só podem ser autorizadas pela União, mediante o interesse nacional, que estabelecerá na forma da lei sob condições especificas. Ou seja, como não existe regulamentação para mineração em terras indígenas, resta uma lacuna normativa que deve ser discutida com base  unicamente nos artigos 176 e 231 da Constituição.

Então, não se pode tentar legalizar o garimpo em terras indígenas por meio de um simples projeto de lei, uma vez que se trata de uma matéria explicitamente constitucional. Além disso, nenhuma discussão nesse sentido deve ser iniciada sem antes frear e impedir todas ilegalidades, bem como os crimes cometidos na exploração ilegal de minérios dentro das terras indígenas.

Qualquer tentativa de legalização antes disso soa como incentivo à prática criminosa que está em curso dentro das terras indígenas, além de outras ilegalidades apontadas em legislações específicas. A própria Constituição garante proteção aos povos indígenas, reforçado pelo Estatuto do Índio (Lei 11.685/08). Também existe a Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9.605/98) que  criminaliza a conduta do garimpo ilegal, com pena de detenção de seis meses a um ano, além de multa.

Como os minérios são um bem da União (art. 177 da CF), além de a exploração ser um monopólio federal, a exploração de minerais depende de autorização, mesmo fora de terras indígenas. E isso significa que, como se trata de um patrimônio nacional, garimpar  sem a devida concessão é crime tipificado na Lei n° 8.176/91, que define os crimes contra ordem econômica, na modalidade de usurpação, com pena de detenção de um a cinco anos e multa. E isso tanto para quem garimpar quanto para quem adquirir e transportar.

Em resumo, as pessoas detidas garimpando ou de posse de minérios podem ser enquadradas, se estiverem em grupo, em organização criminosa mediante prática de crimes de evasão de divisas, contrabando, falsidade documental e sonegação fiscal, bem como a lavagem de dinheiro. A Constituição é bem clara e as legislações bem explícitas na tipificação desses crimes, além de outras atividades criminosas que reinam em uma terra sem lei, onde o poder público não chega.

Então, da forma que está a realidade exporta em matérias de jornal constantemente, não há como tratar o garimpo em terras indígenas como uma atividade legal ou passível de regulamentação sem qualquer discussão no Congresso, com as comunidades indígenas sendo obrigatoriamente consultadas. Qualquer discussão que não esteja dentro dos aspectos legais não passa de enganação ou de um movimento que visa manter os crimes praticados dentro das terras indígenas do jeito que está.

*Colunista