Jessé Souza

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A insegurança em números e o avanço fatal do inferno na terra, se nada for feito

Jessé Souza*

Em Roraima, não há o que comemorar em relação aos números apresentados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que se baseia em informações fornecidas pelas secretarias de segurança pública estaduais, pelas polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública

No geral, os dados revelados sobre o Estado Roraima são negativos e preocupantes. Embora o registro de mortes violentas intencionais tenha caído no ano passado 6,5% em todo o Brasil, a Região Norte foi a única a não registrar queda, com aumento mais expressivo no Pará, Amapá, Rondônia e Roraima, ou seja, somos o quarto Estado mais violento do Norte brasileiro.

O que chama a atenção são os números do Quadro de Mortes Violentas intencionais em Roraima: foram 212 assassinatos desse tipo, contra 232 registros no ano de 2021, um aumento de 5,8%. Homicídios intencionais são a soma das vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora.

Se forem considerados somente os homicídios dolosos, aqueles que ocorrem quando há dolo, ou seja, quando uma pessoa mata outra intencionalmente, os dados mostram que 174 pessoas foram assassinadas em 2020, enquanto no ano de 2021 foram 204 crimes desse tipo.

Se há algo a comemorar, é que Roraima não tem nenhum município incluído na lista das 30 cidades com as maiores taxas médias de Mortes Violentas Intencionais entre 2019 e 2021. Os policiais também podem comemorar, uma vez que o Anuário não registrou morte de policiais em situação de confronto.

Os dados de Boa Vista, que é uma Capital do Estado, que concentra cerca de 60% da população, refletem a situação de Roraima: aumento de 34,8% no número de  mortes violentas intencionais; aumento de 1,4% no número de homicídios dolosos; crescimento de 1,4% de lesões corporais seguidas de morte; aumento de 342,1% de violência doméstica (lesões corporais dolosas praticadas no ambiente familiar); e aumento de 29,3% de homicídios dolosos.

A Capital também registrou aumento da posse ilegal de arma de fogo (7,3%) e também crescimento de 34,8% dos casos de posse e uso de entorpecentes. Os dados estão incompletos porque não foram divulgadas informações sobre estupros ocorridos do ano passado, porém os dados de 2020 revelam um dado preocupante: 275 registros, uma taxa de 65,5% por 100 mil habitantes.

Embora as autoridades de segurança pública ainda não tenham aparecido para analisar os dados apresentados pelo Anuário, a partir da crônica policial diária e de informações das redes sociais, onde existem perfis de porta de cadeia e de corpos ensanguentados, dá para se ter uma ideia dos motivos de Roraima estar na lista do quarto Estado mais violento da Região Norte.

Por ser um Estado que faz fronteira com dois países,  Roraima está dentro do contexto de uma região onde ocorrem tensões e conflitos, especialmente devido à migração em massa. Inclui-se aí o garimpo ilegal na terra indígena, localizado ao longo de uma extensa faixa na fronteira com a Venezuela, onde o crime organizado passou a agir.

Tudo isso faz de Roraima um caldeirão fervilhando, diferente da situação que ocorre em outras fronteiras na Amazônia,   apontadas no Anuário como zonas de instabilidade em relação à segurança regional, pois por essas regiões passam a enfrentar uma integração e conexão das redes ilegais do tráfico de cocaína.

Mas Roraima está dentro desse contexto das facções do crime organizado narrado no Anuário, as quais atuam no Brasil e que passaram  a enxergar a Amazônia como uma região estratégica dentro da geopolítica do narcotráfico, visando o controle das principais rotas do tráfico de drogas na Amazônia.

O aumento da criminalidade, especialmente na Capital, tem ligação direta com esse tripé: crime organizado, garimpo ilegal e a migração venezuelana desordenada, uma vez que uma facção venezuelana passou a atuar no Estado. Tudo isso acaba se misturando, pois o crime organizado se aliou a faccionados venezuelanos e passou a controlar áreas de garimpo ilegal.

Enquanto isso, o Estado falhou em sua organização para enfrentar esta nova e dura realidade de insegurança. Para se ter uma ideia, somente no ano passado a Polícia Militar anunciou o programa Polícia na Rua, que está em execução há apenas sete meses! O serviço de Inteligência está sendo montado apenas agora no sistema prisional, setor que enfrenta descontamento dos policiais penas. A Polícia Civil está defasada e desestrutura.

Enfim, estamos diante de um quadro desalentador, uma vez que a Segurança Pública não acompanhou a evolução da criminalidade e do crime organizado, setor que ficou perdido entre governos descomprometidos com os principais problemas do Estado, com descontinuidade de ações e falência de programas. Estamos no salve-se quem puder.

A situação só não está pior porque, por enquanto, as facções estão em guerra entre elas. Sequer há enfrentamento com a polícia, havendo zero mortes de policiais, conforme os dados do Anuário. Quando esta guerra passar a ser contra as forças de segurança, mantendo a sociedade refém da insegurança, como ocorre em Manaus (AM), aí passaremos a enfrentar o inferno na terra. Serão dias sombrios.

*Colunista