Jessé Souza

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Resumo do que se tornou a Amazônia a partir das prioridades do governo

Jessé Souza*

A facilitação do uso de armas de fogo, a tentativa de liberar o garimpo e reduzir os direitos indígenas, bem como o enfraquecimento da legislação ambiental encabeçaram as principais ações do governo Bolsonaro em seus três anos de governo. Não se pode tratar essa constatação como surpresa, uma vez que todos os seus discursos antes de ser eleito já indicavam que essas seriam suas prioridades como presidente.

Neste ano, durante a abertura do ano legislativo na Câmara Federal, em fevereiro, quando apresentou uma lista de prioridades de seu governo com 45 propostas, Bolsonaro escancarou de vez seus objetivos: editou dois decretos facilitando a garimpagem e incentivando a atuação dos grandes empresários da mineração ou dos investidores do garimpo ilegal.

Um deles foi o   Decreto nº 10.966, que criou o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala, e a Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala. Ou seja, o decreto serviu para estimular a mineração artesanal e em pequena escala, ato este usado apenas como estratagema para dar apoio às grandes mineradoras.

Esse apoio veio com o Decreto de nº 10.965, que simplificou os critérios para a análise dos processos e outorgas de títulos minerários pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Esse segundo decreto, editado no mesmo dia, permitiu que todos os pedidos para atividades de garimpos registrados na ANM possam ser facilmente concedidos, em 60 dias, acabando com todas as análises necessárias.

Foi isso mesmo: enquanto anunciava incentivo ao garimpo artesanal, o governo passou a beneficiar os grandes empresários da mineração ilegal na Amazônia, na medida em que os critérios para liberar a exploração passou a ser simplificado, abrindo as portas para novas áreas de garimpo surgirem desta vez ganhando aspecto de legalidade.

A edição desses dois decretos ocorreu no mesmo momento em que Bolsonaro publicou a Portaria nº 667, que apresentou a agenda prioritária, a qual incluiu o Projeto de Lei nº 191/2020, que tem a finalidade de abrir as terras indígenas para a mineração, a exploração de madeira e o agronegócio, usando como argumento a guerra entre Rússia e Ucrânia.

Mas, bem antes disso, no início do governo, foi resgatado o Projeto de Lei 490/2007, considerado o “pai de todas as maldades”, que não apenas impõe um marco temporal para impedir novas demarcações de terras indígenas, como também permite retirar as terras de povos indígenas que “perderem suas culturas” e até mesmo arrendar as terras indígenas para o agronegócio.

O PL das maldades é um resumo de outros projetos com teor semelhante aos cerca de quase 100 PLs e apensados que tramitam no Congresso Nacional há vários anos e que visam restringir os direitos dos povos indígenas, especialmente à demarcação de suas terras, propostas estas que ganharam prioridade absoluta no atual governo, com apoio dentro do Congresso.

Concomitante a isso, o governo vem atuando com prioridade em propostas prejudicais ao meio ambiente. Um deles é o PL 3729/04, que praticamente propõe o fim do licenciamento ambiental ao criar a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC). Ou seja, os donos de terras poderão fazer o autolicenciamento, que significa o fim da necessidade de algum órgão ambiental analisar os projetos. É o cúmulo dos absurdos, tornando inócuos os órgãos ambientais dos municípios e estados.

Existe ainda o PL 2001/19, que visa acabar com unidades de conservação no país, ao prever a caducidade dessas unidades que não estejam regularizadas. Tramita também o PL 5544/2020 que libera a caça esportiva de animais no País, proposta esta que casa com a liberação de armas para caçadores, que é outra prioridade deste governo.

Essa foi outra frente de atuação do governo Bolsonaro, que fez de tudo para facilitar a liberação de armas. Até aqui, foram publicados 17 decretos, 19 portarias, três instruções normativas, dois projetos de lei e duas resoluções ampliando o acesso a armas e munições sem controle. Com isso, caçadores esportivos e atiradores desportivos reunidos em clubes tiveram porte de arma automático.

O conjunto de tudo isso se refletiu em uma corrida ao garimpo ilegal em terras indígenas, com destaque na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, onde armas de fogos ilegais encontram um território livre alimentado por meio do contrabando; além do crescimento da exploração ilegal de madeireiras. O crime organizado nunca teve tanto incentivo para se estabelecer na Amazônia quanto agora.

Os dados sobre a ação do crime no país, para quem quiser ou estiver interessado em conferir, estão no Anuário Brasileira de Segurança Pública 2022, o qual foi tema recente desta coluna. O Anuário coloca Roraima como o quarto Estado mais violento do Norte do Brasil, a única região a não registrar queda no número de mortes violentas intencionais no país. E não foi à toa que chegamos a esse título.

*Colunista