Precisamos nos livrar do falso conservadorismo que se esconde, mas deixa as garras de fora
Jessé Souza*
Das “Marchas para Jesus” realizadas pelo país afora, a que mais chamou a atenção foi a de Vitória, no Espírito Santo, onde as lideranças evangélicas instalaram um imenso revólver como monumento em praça pública, com bandeiras do Brasil hasteadas complementando o cenário da nova cara dos evangélicos no país de um conservadorismo controverso.
A ascensão do bolsonarismo, que surgiu pregando uma suposta “nova política”, despertou um forte sentimento em muitos brasileiros sedentos pela moralização da política e o resgate de valores nobres dos cidadãos e cristãos na fé. Mas não foi bem assim. Não tardou para a velha política impor seu realinhamento com todo o fisiologismo que bem conhecemos. E também não tardou para o falso moralismo mostrar sua cara.
Com um presidente sempre flertando com torturadores do passado, com discursos golpistas incessáveis, palavreados chulos e a defesa do movimento armamentista, tudo aquilo que estava nos porões da hipocrisia foram postos à mesa, com as caveiras saindo do armário para a sala de estar. E tudo em nome de Deus, da Pátria e da Família.
Enquanto os irmãos diziam “amém” nos cultos, pastores foram flagrados tramando propina na compra de vacina a preço superfatura e na liberação de verbas da Educação em troca de barras de ouro. Sob o argumento de armar o cidadão de bem, milicianos e faccionados passaram a adquirir armamentos pesados como se fossem caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), graças às manobras feitas para legalizar a venda de armas.
Os falsos moralistas não tardaram para se alimentar de um falso conservadorismo, com evangélicos passando a defender a política armamentista, cultuando um mito como se fosse um deus, que usa a fé cristã para impor suas táticas reacionárias que atentam contra os pilares da democracia, entre passeios de moto pelo país e pequenas férias na primeira oportunidade, mostrando-se pouco afeito ao trabalho.
Independente de qual for o resultado das urnas, em outubro, os brasileiros precisam sair dessa arapuca que vem sendo armada há três anos e meio. E a propósito disso, veio bem a calhar um artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, sob o título “A armadilha do falso conservadorismo”. Vale a pena os cidadãos desse país fazerem uma reflexão. Para isso, abaixo transcrevo trecho desse artigo:
“O presidente Jair Bolsonaro, que faz praça de sua truculência antidemocrática e de seu amor à ditadura militar, chegou ao poder dizendo-se “conservador”, e não poucos genuínos conservadores aceitaram essa impostura em nome da necessidade de impedir que o PT, com seus gritos de guerra contra a propriedade, o capital e o livre mercado, retomasse a Presidência.
Todavia, se houve quem comprasse de boa-fé a falácia de Bolsonaro em 2018, agora, ao final de seu mandato, já não há mais qualquer dúvida de que o presidente não é liberal nem, muito menos, conservador. Bolsonaro é apenas um oportunista reacionário com evidente inclinação para o autoritarismo.
A fim de evitar que os verdadeiros conservadores caiam novamente na armadilha que o agora incumbente tenta rearmar, é preciso relembrar quais são, de fato, as ideias e os valores que o conservadorismo encerra e por que alguém como Jair Bolsonaro é a sua perfeita negação.
Ser conservador é rejeitar as transformações radicais do Estado e da sociedade, preservando as tradições construídas pela sociedade ao longo do tempo e repelindo as rupturas. Em outras palavras: ser conservador é curvar-se ao império das leis e ao Estado Democrático de Direito, é defender a estabilidade e a independência de instituições democráticas, é rejeitar governantes que incentivam a cizânia e a violência. Ora, isso é tudo o que Jair Bolsonaro, definitivamente, não representa. A desordem que ele instila vai na direção contrária do conservadorismo. Bolsonaro personifica o caos.
Por isso, é preciso que os conservadores brasileiros rejeitem o bolsonarismo como representante de seus valores. É preciso resgatar o verdadeiro conservadorismo, desvinculando-o urgentemente de Bolsonaro, líder desse simulacro mambembe de conservadorismo que, como toda farsa, faz o oposto do que apregoa – em vez de respeito pelas instituições democráticas, golpismo; em vez de reverência às leis e à Constituição, valorização de delinquentes; em vez de ordem, confusão.
Nos Estados Unidos, a deputada Liz Cheney teve coragem de liderar a luta para resgatar o Partido Republicano das garras de Trump. Aqui não temos um partido conservador nos moldes do Republicano, mas certamente há um conservadorismo a ser defendido da razia bolsonarista. Se os conservadores de verdade não querem ser confundidos com Bolsonaro e seu conservadorismo de fancaria, é hora de se manifestarem”.
*Colunista