Jessé Souza

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Uma decisão judicial que dá lucidez ao debate sobre fiscalização nas terras indígenas

Jessé Souza*

A omissão não é de hoje por parte do Governo Federal em relação à fiscalização e proteção das terras indígenas no país. Porém, aumentou nos últimos três anos a partir de quando a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi transformada em um órgão de negação dos direitos dos povos indígenas, com a completa desmobilização das atividades realizadas em defesa e proteção das diversas etnias país afora.

O abandono e a política do descaso acabaram sendo lembrados na decisão da Justiça Federal, nesta quarta-feira, que  extinguiu a ação judicial movida contra as atividades de proteção, vigilância e monitoramento territorial das comunidades indígenas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Na decisão, o juiz  federal Felipe Bouzada Flores Viana considerou que as fiscalizações são realizadas devido  à omissão do Estado em promover a proteção dos povos e terras indígenas contra a invasão territorial do garimpo ilegal.

Proferida pelo juiz da 2ª Vara Federal, a sentença considerou extinta a ação, sem julgamento do mérito, a segunda promovida pela  entidade que sempre deu apoio ao governo, aos políticos e aos grandes produtores, a SODIURR, que não concorda com as ações fiscalizatórias as quais visam impedir a entrada de bebidas alcoólicas, armas de fogo, drogas ilícitas e equipamentos para garimpar ilegalmente dentro da terra indígena.

Inclusive, com base na primeira ação, o Governo do Estado determinou que a Polícia Militar atuasse dentro da terra Indígena para coibir e desmontar barreiras de fiscalização na RR-319 e na RR-171. Ao julgar a segunda ação, foi considerado pelo juiz   os danos sofridos pelas comunidades indígenas, em especial pela atuação da PM, determinando multa à SODIURR e investigação sobre atuação do advogado da entidade, para verificar a conduta ética do advogado m, além de recomendar  ao Ministério Público Federal (MPF) o ajuizamento de ação cobrando indenização em favor das comunidades.

O juiz Felipe Bouzada Flores Viana foi bem enfático ao analisar  a ação movida contra a fiscalização: “Jamais presenciei tamanho desprezo e desrespeito pelo Poder Judiciário em quase 10 anos de judicatura. […] Não houve somente indução em erro do Poder Judiciário. A banalização com que exerceu o direito de ação causou, de forma direta e imediata, graves danos à integridade física e psicológica de brasileiros indígenas”. Esse posição se refere à ação da PM que foi enviada para retirar a barreira fiscalizatória na Comunidade Água Fria, em novembro do ano passado, quando policiais deram tiros e lançaram bombas de efeito moral contra os indígenas.

Vale ressaltar que a tática  de enganar e confundir sempre foi usada pelos políticos e a entidade apoiada por eles para negar os direitos dos indígenas e criminalizar a atuação para fiscalizar o garimpo ilegal. E sempre foi usada para confundir a opinião pública, levada a crer erroneamente que as comunidades indígenas estariam atuando indevidamente e provocando o terror contra não indígenas ou quem passasse pela fiscalização.  

Então, essa decisão judicial tem o importante papel de dar luz aos fatos e devolver a lucidez ao debate sobre a importância das fiscalizações feitas pelos próprios indígenas diante da omissão do governo e da desestruturação da Funai, transformada em um órgão contraditoriamente anti-indígena.  Além disso, revela como a sociedade envolvente foi manipulada em relação às atividades de proteção das terras indígenas, especialmente contra as ações criminosas e predatórias do garimpo ilegal.

A tática de confundir a opinião pública tem a principal finalidade de esconder a proteção das autoridades em relação às  atividades ilegais do garimpo em terras indígenas, uma vez que as investigações da Polícia Federal têm mostrado a mão de políticos e de grandes empresários na defesa da garimpagem e da mineração sem antes que o Congresso decida pela legalização ou não das atividades de mineração em terras indígenas.  É uma afronta à legislação brasileira e um apoio explícito ao crime organizado que se apoderou da exploração mineral no país.

 *Colunista