Enxurrada caindo do teto e um silêncio preocupante sobre contrato para evento festivo
Jessé Souza*
Na política, o silêncio é primo-irmão do descaso com o bem público. Por isso, é estranho que não tenha ocorrido nenhuma repercussão a denúncia feita pelo deputado estadual Dhiego Coelho (Solidariedade), autor de uma ação popular protocolada na Justiça que pediu a suspensão e anulação do contrato feita pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), no valor de R$ 7,6 milhões, formalizado com uma empresa de eventos.
Isso mesmo. A Sesau contratou uma empresa de eventos para a locação de aparelhos de som, iluminação, telões de LED, carro de som, estruturas de palco e até show pirotécnico (!?), conforme publicação no Diário Oficial do Estado (DOE) do dia 21 de julho passado. É como se a saúde pública estivesse em festa e com motivos para realizar eventos, enquanto os tetos do principal hospital e da única maternidade pública do Estado desabam com a água da chuva – só para citar um problema que se tornou corriqueiro.
Embora caiba ao Tribunal de Justiça, agora, decidir sobre a suspensão e anulação do contrato, é estranho o silêncio dos órgãos de controle e das autoridades sobre esse contrato, especialmente por parte da Sesau, que até hoje não deu explicação à opinião pública, uma vez que não compete àquela pasta realizar eventos festivos ou culturais, com estrutura milionária. Pode até ser que seja para uma campanha educativa, mas o momento não permite um gasto de tal vulto para atividades nesse sentido.
O caso precisa ser bem esclarecido, principalmente neste momento em que os próprios servidores têm gravado vídeos denunciando os recorrentes problemas não só no teto do Grande Trauma do Hospital Geral de Roraima (HGR), mas também na estrutura do novo anexo, chamado Bloco E do HGR, inaugurado em tom festivo, com a presença do ministro da Saúde, sendo colocado como um novo momento na saúde pública estadual. Porém, os fatos mostram outra coisa.
A cada chuva mais forte, surgem goteiras no teto da estrutura antiga do HGR. No dia 18 de agosto passado, uma parte do forro do Grande Trauma desabou e atingiu um idoso de 84 anos que estava internado em um leito. Cenas desse tipo são recorrentes, inclusive ocorreu no início da pandemia, há dois anos, quando uma enxurrada caiu em cima do leito do jovem cinegrafista Tayllon Peres,28 anos, internado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), em junho de 2020. Ele acabou falecendo no dia 20 daquele mês, dois dias depois do incidente.
Este ano, algo semelhante ocorreu com o idoso Eliotério Alves de Lima, de 84 anos, que deu entrada no HGR no dia 17 de maio com pneumonia e morreu no dia 19, um dia depois de o forro desabar em cima dele, durante uma forte chuva. Desde lá, as cenas se repetem e, neste último caso, desta vez o Ministério Público de Roraima (MPRR) decidiu fazer algo e recomendou que a Sesau faça manutenção no teto do HGR, como isso fosse algo novo e não já tivessem ocorridos mortes após o forro desabar em cima de pacientes.
Por isso incomoda esse silêncio profundo das autoridades a respeito do contrato de R$7,6 milhões com uma empresa especializada em eventos festivos. A opinião pública precisa de uma explicação, até porque as goteiras agora atingem o novo bloco do HGR, mais precisamente o setor de quimioterapia, onde são tratados pacientes com baixa imunidade. Inclusive, vídeos mostram sangue escorrendo do teto da copa, onde foi preciso retirar o forro para identificar o motivo do problema. Tudo isso precisa ser bem esclarecido, porque é a saúde pública que está em jogo.
*Colunista