Uma história de 20 anos da Educação Superior Indígena que precisa ser respeitada
Jessé Souza*
Em 17 de dezembro do ano passado, esta coluna tratou a respeito dos professores e gestores que lidam com a Educação Superior Indígena que protestavam contra os critérios adotados no concurso estadual destinado a contratar novos professores para as escolas indígenas estaduais. A reclamação dava conta de que a comissão do concurso ignorava a realidade do curso de Licenciatura Intercultural ofertado pelo Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima (UFRR).
Pois bem, o certame foi realizado, com os professores indígenas concursados devidamente empossados este mês, mas a Secretaria Estadual de Educação e Desporto (Seed) continua ignorando a formação dos professores indígenas em Licenciatura Intercultural. Os recém-empossados passaram a ser lotados nas escolas indígenas por disciplina (História, Geografia, Matemática etc), e não mais por área de conhecimento, conforme ocorria antes em respeito à política educacional indígena diferenciada.
Conforme relatou um professor a esta coluna, estão pegando os novos concursados e os lotando por disciplina. Como não tem carga horária para todas as disciplinas na mesma escola, então esse professor é obrigado a complementar a carga horário em escola de outras comunidades distantes, 20 ou 30Km de onde mora e trabalha esse professor. Tal critério de lotação tornou-se um sério complicador, que pode resultar em desistências, pois muitos não têm transporte próprio ou oferecido pelo governo para se locomoverem; e isso ainda impõe um gasto a mais que irá refletir seriamente no orçamento familiar.
Essa forma de lotação por disciplina funciona nas escolas urbanas, mas nunca deu certo nas comunidades indígenas, onde a política educacional diferenciada adotada em comum acordo é o professor ficar na mesma escola, onde são mantidos os laços tradicionais, evitando desistências por parte de professores desestimulados pelas dificuldades, os quais muitas vezes foram preteridos pelo governo por professores não indígenas que, no decorrer do ano letivo, não conseguiram se adaptar à vivência na comunidade e à cultura indígena.
Essa educação diferenciada só foi possível a partir de 2001, quando os professores indígenas passaram a ser formados em Licenciatura Intercultural, por meio do Insikiran, que proporciona três habilitações: Ciências Sociais, Ciência da Natureza e Comunicação e Artes. Então, um professor formado em Ciências Sociais, por exemplo, está habilitado a lecionar disciplinas de História, Geografia, Sociologia e Filosofia.
Ao desconsiderar essa formação proporcionada pelo Insikiran da UFRR, os burocratas da Educação estadual desrespeitam e ignoram 20 anos de educação Superior Indígena baseada no respeito e nas tradições dos povos indígenas, que é uma referência não apenas para o País, mas para o mundo. É um retrocesso que pode provocar sérias consequências nas escolas indígenas, a começar com desistências, desestímulo e desmantelo de um ensino almejado pelas lideranças indígenas educacionais e que vem sendo construído há 40 anos, bem antes da luta pela terra.
E ainda há outra denúncia grave feita por professores e que precisa ser averiguada pelo Ministério Público, de que professores não indígenas passaram no concurso e tomaram posse sem qualquer problema, uma vez que não teriam sido adotados ou obedecidos critérios rígidos para que somente professores indígenas fossem aprovados em um concurso específico e diferenciado apenas para professores indígenas. É uma denúncia séria e grave.
Infelizmente, pelo que foi denunciado no fim do ano passado por meio desta coluna, o que começou errado não poderia findar diferente. É necessário que as autoridades tomem providências para que erros sejam corrigidos e que possíveis ilegalidades sejam investigadas e os responsáveis punidos. A Educação Indígena precisa ser tratada com o devido respeito e seriedade. Porém, não é isso que tem ocorrido, a começar pelo exemplo das escolas sem reforma, ampliação e manutenção há 30 anos. É aterradora essa situação.
*Colunista