Tentativa de passar a boiada no direito de adolescentes e jovens aprendizes
Jessé Souza*
Infelizmente, enquanto o país entrava no período de campanha eleitoral, distraído com a polarização entre esquerda e direita, o Governo Federal tentou um duro golpe contra o direito de adolescentes e jovens de famílias de baixa renda terem acesso ao mercado de trabalho como aprendizes. Na verdade, um atentado ao Programa Jovem Aprendiz, iniciativa que há 22 anos é responsável pela qualificação de mais de meio milhão de jovens no País.
Sem ouvir as lideranças do setor de aprendizagem profissional e de entidades que lutam pela inclusão social de adolescentes, o governo tentava aprovar a Medida Provisória 1.116/2022, que fragilizava o Jovem Aprendiz. Porém, na semana passada, a MP foi aprovada pelo Congresso sem que fosse incluída sorrateiramente a criação do Projeto Nacional de Incentivo à Contratação de Aprendizes, que era uma estratégia para permitir que grandes empresas não fossem mais obrigadas à obedecerem as regras do programa para que deixassem de contratar aprendizes, colocando o programa em risco.
Além disso, da forma que foi encaminhada pelo governo Bolsonaro, a MP 1.116 atropelava toda a discussão mantida na Câmara a respeito da contratação de jovens e adolescentes, por meio do Projeto de Lei 6461/19, o qual cria o Estatuto do Aprendiz. Tratou-se de mais uma jogada para fazer “passar a boiada”, assim como tentaram fazer com os direitos indígenas e a legislação do meio ambiente, querendo reduzir direitos da adolescência em prática há mais de duas décadas. Menos mal que parte do golpe foi evitada.
Para se ter uma ideia do interesse em alterar a forma do Jovem Aprendiz, a MP teve ampla contestação dos parlamentares na Câmara Federal, apenas com votos contra do Partido Novo, o qual atendia aos interesses de empresas que não queriam contratar aprendizes. O texto original da MP queria suspender a contratação de aprendizes por até dois anos, ainda tentava impedir a Auditoria-Fiscal do Trabalho de fiscalizar o cumprimento das cotas e, de forma sorrateira, também visava perdoar multas das empresas por descumprimento da legislação. Tudo armado para reduzir direitos e beneficiar empresas descumpridoras da legislação que regulamenta a contratação de aprendizes.
Mesmo com a alteração da MP, os obstáculos ao Jovem Aprendiz ainda persistem e precisam ser derrubados. O Decreto 11.061/2022, do governo Bolsonaro, em vigor desde 05 de maio, ainda representa riscos à formação profissional de jovens e adolescentes, pois permite que empresas reduzam o número de contratados, o que diminui a oportunidade de mais jovens e adolescentes pobres tenham formação e preparação profissional para que possam acessar o mercado de trabalho de forma digna, sem sacrificar os estudos.
Juntos, a MP 1.116 e o Decreto 11.061 tentavam aplicar uma reforma trabalhista de jovens aprendizes, ao terem alterado 86% dos artigos da Lei de Aprendizagem e 64% do decreto que regulamenta o programa. Tudo isso sem ouvir a sociedade, como é hábito deste governo e de toda base de poio no Congresso. A MP já foi reformulada na Câmara e ratificada no Senado. Agora falta derrubar o nefasto decreto, o que deve ser feito por via judicial ou a partir da aprovação do projeto de lei que cria o Estatuto do Aprendiz. Aliás, os golpes têm sido desmontados na Justiça, assim como foi a “lei do garimpo” em Roraima
Os agentes responsáveis pela implementação da aprendizagem profissional no Brasil e os parlamentares comprometidos com jovens e adolescentes de baixa renda não podem permitir a continuidade desse desmonte. Os defensores do discurso de que menores de idade precisam trabalhar são os mesmos que agora querem desmontar um importante programa que proporciona milhares de jovens e adolescentes ingressando no mercado de trabalho e com a garantia de continuarem estudando. São a hipocrisia e a mentira querendo prevalecer.
*Colunista