A realidade da Segurança Pública está aí e o relógio já está com o tempo estourado
Jessé Souza*
A questão da Segurança Pública em Roraima precisa ir mais além de como os políticos de carteirinha e lideranças de entidades tratam a realidade deste setor imprescindível para o futuro imediato do Estado. Enquanto policiais estão se sacrificando para garantir o bem-estar dos cidadãos, combatendo o crime, garantindo a vida das pessoas e protegendo os bens dos contribuintes da ação dos meliantes, formou-se uma elite de policiais com mandato nos legislativos, setores de policiais defendendo interesses de políticos e de grupos, além do surgimento de atividades de segurança privada com atuação principalmente nas atividades do garimpo ilegal.
Chegamos a um momento muito sensível, pois essa casta de parlamentares vive uma vida distante da realidade das políticas públicas que não apenas a Segurança Pública necessita com certa urgência, mas também os setores mais importantes da sociedade. E seus status político e social acabam sendo almejados por mais policiais e outros agentes da Segurança, os quais se lançam candidatos com aval dos velhos caciques da política e repetindo as mesmas promessas nunca cumpridas por seguidos governos e legislaturas que os apoiam, enquanto a insegurança avança sob a ausência de políticas sociais e econômicas que ajudem a amenizar a pobreza nas periferias.
A despeito dessa realidade, as últimas notícias revelaram para a opinião pública a preocupante informação de policiais militares em uma ação suspeitíssima no caso da aeronave que dava apoio ao garimpo ilegal, em que um PM morreu e mais dois saíram ilesos. Além disso,
o dono do avião gravou um áudio que foi compartilhado no qual ele falou abertamente que contrata PMs para fazer segurança privada. Um episódio cuja investigação precisa ir até as últimas consequências a fim de que tudo o que está oculto por trás deste caso venha às claras, para o bem da Segurança Pública.
Mas, estranhamente, surgem ecos igualmente preocupantes, a exemplo da fala do presidente da Associação Unificada de Praças de Roraima (Auprarr), o soldado da Polícia Militar Deivid Duarte, durante entrevista na Rádio Folha neste domingo pela manhã. Ao tentar defender um amigo, o PM que morreu, o dirigente da entidade fala como se fosse normal um agente do Estado fazer um “serviço extra para recuperar uma aeronave que não havia sido paga”, ou seja, tenta normalizar o ato de reunir um grupo de pessoas armadas,entre eles três PMs, para invadir uma propriedade privada e fazer justiça com as próprias mãos. Pagar grupo armado para atividades ilegais tem um nome: milícia.
O melhor que amigos, familiares, conhecidos e ex-colegas de farda podem fazer é a introspecção, em um silêncio obrigatório para refletir sobre condutas profissionais, responsabilidade como agente do Estado com a segurança pública e o papel de um cidadão dentro de uma sociedade que precisa combater a ilegalidade e o crime para o bem coletivo, de todas as famílias, inclusive da própria. A título de informação, o PM em questão já respondia por um homicídio de um homem com envolvimento com o garimpo ilegal, por isso havia sido punido com o afastamento do Batalhão de Operações Especiais (Bope), o grupo de elite da PM.
O Estado trilha um caminho muito preocupante na Segurança Pública, apesar de um expressivo número de policiais e agentes da
Segurança Pública com mandato dentro dos legislativos. Ao mesmo tempo em que surgem as fortes evidências de policiais servindo de seguranças ao garimpo ilegal. Temos
ainda o caso do grupo de policiais presos e denunciados à Justiça pelo sequestro e rapto de um jornalista. São situações que precisam ser analisadas dentro de um contexto bem amplo, com severos reflexos em toda a estrutura da sociedade.
E tudo isso no momento em que o crime organizado dá às ordens dentro e fora dos presídios, onde 23 policiais penais chegaram a ser presos pela Polícia Federal,
em dezembro de 2020, durante a Operação Alésia, que visou desarticular organização criminosa dentro da estrutura da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania de Roraima (Sejuc). Os envolvidos são investigados por participação em organização criminosa, tráfico de drogas, peculato, corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e lavagem de dinheiro.
O roteiro do que temos na Segurança Pública infelizmente é o que foi retratado acima. Por isso, e pela criminalidade que avança sob as asas do garimpo ilegal, é necessário que os políticos e nossos governantes assumam suas responsabilidades para não permitir que o Estado perca definitivamente o controle da situação. Há tempos o alerta vem sendo dado. Com mais esse, o momento requer atenção especial, pois estamos atravessando uma perigosa encruzilhada. Não há mais espaço para demagogias. O prazo para se fazer já foi estourado há um certo tempo.
*Colunista