Jessé Souza

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Um questão sobre o Hino e a necessidade de se discutir a militarização das escolas

Jessé Souza*

Para os teóricos da conspiração e aqueles cujo peito repousa uma xenofobia oculta, este caso pode até parecer algo muito grave, um acinte à soberania brasileira.  Porém, não deixa de ser algo que incomoda. O fato é: pais de alunos do Colegio Estadual Militarizado Cícero Vieira Neto, no Município de Pacaraima,  estão denunciando que os gestores daquela unidade estariam  obrigando os alunos a cantarem o Hino nacional venezuelano da mesma forma como é cobrado o Hino Nacional Brasileiro. 

Sim, trata-se de algo muito incômodo, especialmente em uma área de fronteira, uma vez que não existe sequer a obrigatoriedade de se cantar o Hino brasileiro nas escolas em todo o país. Por estar na divisa com outro país e, em se tratando de uma escola militar, parece razoável entoar o Hino brasileiro diariamente. Porém,  a Lei 12.031 de 2009, assinada pelo então ministro da Educação, Fernand Haddad, determina que a execução do Hino nacional é obrigatória uma vez por semana em escolas de ensino fundamental. Nas demais é facultativo. 

Então, sob a ótica da legislação brasileira, tornar obrigatório cantar o hino do país vizinho em uma escola brasileira é de um absurdo não só pedagógico como até mesmo sob o aspecto da legalidade. É até louvável que uma escola militarizada, que trabalha concepções de mundo da corporação militar, carregada de conservadorismo e exaltação à Pátria, tenha respeito aos valores patrióticos de alunos imigrantes e filhos de brasileiros com venezuelanas, mas desde que seja uma atividade escolar específica com a finalidade de manter um intercâmbio cultural ou visando aumentar o conhecimento a respeito do país vizinho. 

Mas tornar o hino estrangeiro obrigatório é um absurdo, sim. Inclusive, pais comentaram a respeito de relatos de alunos dando conta de que aqueles que não aprenderam a cantar  e não copiaram a letra do hino estrangeiro no caderno foram obrigados a ficarem em ordem unida no fim da aula como punição.  Se realmente for isso mesmo, torna-se necessário tomar providências, pois são os imigrantes que, em tese, precisariam conhecer os valores cívicos do país que o acolheu, mas também não poderia ser uma imposição como forma ideológica ou um ultranacionalismo que faça transbordar a xenofobia. Seria igualmente absurdo exigir que alunos venezuelanos aprendam o Hino brasileiro como condição para continuar estudando em determinada escola. 

Embora muitos possam ter no imaginário coletivo que os Estados Unidos, um país orgulhoso de seu valores cívicos, sejam rigorosos com a execução do hino nacional nas escolas, isso não ocorre por lá. Nem lá e nem nos demais países democráticos. Afinal, cantar o hino por si só não torna ninguém um bom cidadão, em qualquer país, pois outros valores também precisam ser trabalhados não só pela escola, mas principalmente pela família e pela sociedade de uma forma geral.   Cantar o Hino colocando a mão sobre o peito esquerdo não significa ser mais cidadão que qualquer outro que não saiba sequer a letra do Hino. 

O que precisa estar em discussão, na verdade,  é a forma como o governo está militarizando as escolas estaduais sem nenhum critério definido por lei, bastando realizar audiências com a participação de poucas pessoas, sem realmente ter discutido com a sociedade. Antes, a alegação é de que seria uma alternativa para escolas localizadas em áreas tomadas pela violência, onde a militarização seria a única saída. Mas, agora, tornou-se um projeto de governo entregar as escolas nas mãos de policiais militares que deveriam estar reforçando a Segurança Pública, uma vez que a falta de efetivo é sempre um argumento usado para justificar a não implantação de políticas públicas.  

Sem ouvir a sociedade sobre a militarização das escolas no interior, os problemas começaram a surgir, a exemplo da evasão de alunos de famílias pobres, as quais não conseguem comprar todo o fardamento e seus acessórios militares. Sim, o governo lava as mãos e não arca com o fardamento de alunos de baixa renda, obrigando estudantes de comunidades pobres a buscar escolas mais distantes, inclusive  escolas indígenas. E isso tem ocorrido em Pacaraima (onde o hino estrangeiro parece ser o maior problema relatado por alguns pais). Mas a questão das escolas militarizadas vai muito além, pois tem sido usada como muleta para esconder os principais problemas da Educação em Roraima. 

*Colunista