Jessé Souza

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Da feira-livre do voto aos esquemas que se valem das brechas da lei

Jessé Souza*

Nas últimas eleições, foi possível perceber que aquela feira-livre do voto, em que os roraimenses iam para frente de suas casas,  ou ficavam perambulando pelas ruas durante a noite anterior e a madrugada do dia da votação, a fim de vender seu voto, não existe mais daquela forma descarada.  Porém, os esquemas apenas deixaram de ser escancarados para se tornarem mais sutis ou se aproveitando das brechas da legislação.

Agora, os candidatos compram o voto simulando cadastrar determinadas pessoas reunidas em grupos para trabalharem supostamente como cabos eleitorais. Porém,

estas pessoas apenas recebem o dinheiro sem precisar fazer qualquer tipo de trabalho eleitoral.  É a compra de voto oficializada graças à grande brecha na legislação eleitoral, uma vez que não tem como fiscalizar isso, nem sequer há cruzamento de informações sobre pagamentos, já  que cada eleitor se cadastra para receber de vários candidatos, tornando esse ato um vendilhão de voto profissional, sem precisar mais ficar comercializando na frente de casa ou no meio da rua na calada da noite. 

Como o eleitor sempre foi tratado como vítima de compra de voto, e nunca como cúmplice, os esquemas prosperam como nunca, desta vez sob o manto da legalidade.  Se a venda de voto tivesse sido coibida lá no início, na feira-livre da venda de voto, com certeza teríamos outro cenário. Se os que foram flagrados nos esquemas tivessem sido punidos de forma rigorosa, o eleitor hoje estaria pensando muito bem antes de entrar nessas negociatas a cada pleito. 

Para quem não sabe, a compra de voto (captação ilícita de sufrágio) é crime definido na Lei nº 9.840/99, oriunda do projeto de lei de iniciativa popular que foi liderado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e por sindicatos.  A lei diz que é vedado doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, com o fim de obter-lhe o voto. A simples promessa ou oferecimento de alguma coisa já configura o crime.

Portanto, o eleitor que solicitar dinheiro ou aceitar outra vantagem para si ou para outra pessoa também será responsabilizado criminalmente, com pena de até 4 anos de reclusão, além do pagamento de multa, conforme o artigo 299 do Código Eleitoral. A legislação diz mais:

venda do voto não se caracteriza somente em receber dinheiro, mas também no recebimento de cestas básicas, material de construção, um emprego ou qualquer outro benefício em troca de voto.

A Lei é severa também para quem compra o voto. O candidato estará sujeito a uma pena de até 4 anos, além da possibilidade de ter cassado seu registro ou diploma e ainda poderá pagar uma multa que varia de mil a cinquenta mil UFIRs (UFIR – Unidade Fiscal de Referência). Portanto, lei existe, só falta mesmo fazer cumpri-la em um país onde as pessoas chamam todo e qualquer político de ladrão, mas não hesitam em vender ou negociar seu voto de acordo com seus interesses ou necessidades momentâneas. 

Mas estamos falando de Brasil, onde o cinismo se tornou algo banal, em que o eleitor reclama que o dinheiro da nação está sendo roubado pelos políticos, porém esquece que ele mesmo vendeu seu voto ou defende seu político de estimação, como se eleições fossem um campeonato de futebol com torcidas organizadas e paixões exacerbadas. Enquanto assim for, qualquer espertalhão pode chegar ao poder se seguir a cartilha desse cinismo e das negociatas que começam na hora do voto. 

*Colunista