O golpe das terras da Serra do Tepequém e a demora para a regularização fundiária
Jessé Souza*
Um dos principais obstáculos para consolidar definitivamente o Turismo na Serra do Tepequém, no Município do Amajari, Norte do Estado, a partir do esforço da iniciativa privada e da própria comunidade, é a indefinição fundiária, o que faz com que moradores e empreendedores não tenham segurança jurídica sobre suas propriedades. Até hoje, as autoridades fazem um silêncio profundo sobre a questão, a ponto de se tornar um mistério o que se passa com o processo de transferência da Gleba Tepequém para o domínio do Estado.
Porém, essa falta de informação não é à toa, pois foi colocado em prática um sorrateiro plano de um golpe para se apossar indevidamente das terras de Tepequém no ano de 2017, e ainda não se sabe detalhes sobre quem arquitetou essa trama que foi parar na Justiça, cujo litígio chegou ao fim em maio deste ano na 4ª Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal em Roraima, com o teor podendo ser consultado nos autos do processo de número 1001241-07.2018.4.01.4200.
No final de 2017, a Superintendência do Patrimônio da União em Roraima (SPU-RR), conforme narra o processo, descobriu que havia iniciado um grande movimento de ocupação de lotes, muitas delas visando a especulação imobiliária, quando o órgão enviou um ofício ao Registro de Imóveis de Boa Vista e recebeu a informação de que havia sido registrada a transferência da Gleba Tepequém, com área total de 402.755,00 hectares, para o Estado de Roraima.
Foi uma transferência de forma sorrateira, comandada pelo Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima), sem qualquer processo ou documento oficial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária(Incra). A partir daí, começou uma disputa judicial da União com o Estado de Roraima, a fim de desapropriar os supostos invasores e anular a transferência da gleba feita de forma flagrantemente irregular pelo Estado.
A ação foi protocolada pela União no dia 24/09/2018, cujo fato ficou abafado até hoje, obviamente por envolver autoridades que saíram ilesas de tudo isso, dificultando a vida das pessoas e causando sérios danos a empreendedores do Turismo e moradores de Tepequém, os quais mal conseguem regularizar ligações de água, energia e que até hoje não dispõem de um serviço de telefonia celular.
Conforme os autos, a SPU não conseguiu identificar os esbulhadores, mas o órgão estimou 377 ocupações irregulares na serra entre novembro e dezembro de 2017, contra os quais foi solicitada a reintegração de posse para a União. Isso poderia significar a saída de todos os moradores naquela época, inclusive com manifestação favorável do Ministério Público Federal (MPF) para retirar todos os ocupantes, uma vez que o Governo do Estado, mesmo sendo parte da ação, não ligou e deixou passar o prazo de se manifestar, mostrando o completo descaso com Tepequém e seus moradores.
Porém, diante dos flagrantes fatos e riscos aos moradores, a Justiça negou seguidas liminares à União para retirar os supostos invasores, apontado algumas justificativas. Ainda em 2018, ao negar a liminar, foi alegado que a SPU não tinha comprovado a data da suposta invasão nem identificado essas pessoas ocupantes, as quais todas deveriam ser informadas sobre a ação e notificadas a se defenderem nos autos.
Em nova decisão de 1º de março de 2021, o juiz federal Felipe Bouzada Flores Viana, ao negar nova liminar, assinalou que a União e o Estado de Roraima já estavam em tratativas para concretizar a transferência da área correspondente à Gleba da Serra de Tepequém, que era objeto da ação movida pela União. Então, determinou que, até que fosse concluída essa transferência, decidiu manter sobrestado o trâmite processual, ou seja, determinou a paralisação do processo até nova determinação.
Afinal, a SPU não havia cumprido a decisão anterior, a qual indeferiu a liminar para que todos os ocupantes dos lotes pudessem ter ampla ciência e se defendessem, uma vez que era grande o número de moradores afetados. E citou a clara disposição da União em transferir as terras para o Estado. Conforme o magistrado, isso colocava em dúvida a necessidade de a SPU mover a ação de reintegração de posse, uma vez que “o cumprimento de desocupação de tal porte teria contundente e negativa repercussão socioeconômica no Estado de Roraima”.
Essa parte não consta dos autos, mas uma fonte desta Coluna informou a existência de um outro plano, também oculto de todos, de esvaziar o maior número possível de ocupantes da Serra do Tepequém para transformar aquele local em um Geoparque, que teria selo da Unesco, supostamente sob responsabilidade da Universidade Federal (UFRR). Tal pretensão caberia muito bem na ousada atitude da SPU em mover a ação de reintegração de posse, mesmo que já houvesse interesse da União em transferir as terras para o Estado.
Apesar de tudo, o plano não vingou. E o fato mais importante é que o processo transitou em julgado em 24/03/2022, com a sentença determinado o arquivamento dos autos. Isso significa que não existe mais nenhum impedimento legal para concluir o processo de transferência da Gleba Tepequém para o Governo do Estado, para que finalmente os moradores e empreendedores possam ter a sonhada regularização fundiária de suas propriedades, com fim dos entraves para que haja uma ocupação ordenada.
Porém, nada tem sido visto para pôr fim a esse problema, seguindo sob sigilo e mistério. Nem houve qualquer interesse para apurar a transferência irregular das terras do Tepequém para o Estado, sem qualquer conhecimento da União, como se realmente Roraima fosse “terra de ninguém”, quando as coisas são feitas ao arrepio da lei e sob interesses escusos. Os envolvidos estão todos por aí, alguns até hoje em função pública no atual governo como se nada tivesse ocorrido.
É necessário que os órgãos de controle assumam uma posição frente a este histórico descaso com a regularização fundiária da Serra do Tepequém, já que esta região se mantém esquecida pelos seguidos governos, com o Turismo, que é o único gerador de emprego e renda, sofrendo o duro descaso e irresponsabilidade das autoridades. E ainda um escândalo ocultado para unicamente atender aos interesses dos envolvidos.
*Colunista