A preocupante situação da infância e adolescência roraimense, ignorada pela sociedade
Jessé Souza*
Quem se der ao trabalho de analisar as matérias da Editoria de Polícia publicadas durante todo outubro, mês que se encerra na segunda-feira, 31, irá se deparar com oito notícias sobre crianças e adolescentes, a maioria a respeito de crimes sexuais. É uma realidade preocupante da infância roraimense, no entanto, não se vê as autoridades preocupadas com este fato.
A lista dos casos começa logo no dia 1º de outubro, quando uma criança venezuelana de 12 anos de idade (classificada erroneamente pela imprensa como “adolescente”) foi encontrada morta com sinais de estupro e estrangulamento, sábado à tarde. Ela morava na rua junto com sua família, inclusive tinha uma irmã gêmea.
As manchetes das demais matérias são autoexplicativas, conforme listado logo abaixo não apenas para ilustrar o tema e ocupar espaço, mas também para deixar bem claro o que foi noticiado pela Folha.
– “Homem é preso [em Rorainópolis] suspeito de dar bebida alcoólica e estuprar adolescentes (caso ocorrido dia 3);
– “Acusado de ameaçar e estuprar a filha de 13 anos é preso [em Bonfim]” (dia 06);
– “Mototaxista condenado por estupro de vulnerável é preso [em Boa Vista] (dia 10);
– “Idoso é flagrado abusando de criança em vila no Baixo Rio Branco” (Rorainópolis, dia 22);
– “Menina de 10 anos é vítima de estupro cometido pelo padrasto [em Boa Vista]” (dia 26).
Como se pode notar, abusos e crimes sexuais contra crianças e adolescentes tornaram-se corriqueiros na Capital e interior, para vergonha de nossa sociedade, desespero de pais e mães, perplexidade das entidades que lidam com a defesa da infância e juventude, misturado como a flagrante imobilidade das autoridades para se trabalhar a prevenção.
A situação corre tão frouxa que, sem querer, no dia 15 a Polícia Militar foi acionada para averiguar denúncia de perturbação da tranquilidade e sossego alheio em um clube de festa, no bairro Araceli Souto Maior, quando se deparou com a presença de 500 crianças e adolescentes no local.
Todos pagaram ingresso e estavam ali obviamente sem autorização legal e com um agravante: no local havia materiais que indicavam a venda de droga, como uma balança de precisão, dinheiro em notas trocadas e isqueiros, além de bombas de festim (“catolé”). E tudo isso bem longe da fiscalização das entidades e do Juizado da Infância.
Para não dizer que a polícia e a Justiça estão omissas, outubro trouxe a matéria intitulada “Policiais da Dicap já cumpriram 13 mandados de prisão”, (Operação Vulnerabilis contra suspeitos de cometer crimes contra crianças, dia 14). Porém, essa notícia deve ser traduzida não como uma ação efetiva, e sim como um mutirão para cumprir mandados que se acumularam nas gavetas.
Ou seja, a lentidão é tanta que os acusados de abusos e crimes são presos muito tempo depois, enquanto aguardam a burocrática máquina de produzir sensação de impunidade, o que permite uma punição tardia, ou mesmo a não punição porque muitos conseguem se esconder da polícia e da Justiça por toda uma vida.
Enquanto tudo isso ocorre, sem contar com o que não é divulgado pela imprensa nem com o que chega ao conhecimento da polícia, o governo sequer se preocupa em equipar a Delegacia da Infância e Juventude (se é que ela ainda existe). Inexiste uma política pública para buscar a colaboração com a sociedade organizada para enfrentar esse grave problema que se abate sobre nossa infância e juventude.
Como não há sequer um programa efetivo, a comunidade fica órfão de qualquer ajuda, desprotegida, muitos ficando submetidos à violência dos abusadores, que ameaçam as crianças vítimas de estupro de denunciarem, além de pais e mães que não recebem assistência ou proteção quando suas famílias são alvos de abuso e exploração sexual.
Tempos sombrios…
*Colunista