O pacto da democracia precisa seguir seu trilho para que ninguém tenha que morrer ou matar
Jessé Souza*
Nos últimos anos, o país foi chacoalhado por uma onda de intolerância, que saltou das discussões do bar da esquina para o mundo aberto e permissivo das redes sociais, e pelo clamor de setores da sociedade por uma intervenção militar da qual o brasileiro já experimentou em um passado muito recente, cujas marcas são sentidas até hoje após a reabertura democrática na década de 1980.
A não aceitação do resultado das eleições brasileiras, por um setor intolerante e saudoso da ditadura militar, que mais se assemelha a um caso de intervenção psiquiátrica urgente, é o resquício daqueles tempos obscuros em que muitos passaram a negar tudo, inclusive a História que está repleta de exemplos dos erros da Humanidade e das soluções alcançadas para cada momento crucial a fim de que não retrocedêssemos para uma barbárie.
Mas há um setor que se afundou em uma perigosa cegueira e que não quer aceitar o resultado das eleições e admitir a alternância do poder, as quais fazem parte de qualquer sistema democrático, que não passa de um pacto social em que o desejo da maioria prevalece até que novas mudanças ocorram dentro de um processo eleitoral.
Como a democracia é o governo da maioria, isso não significa que a minoria possa ser espezinhada, uma vez que o alicerce em que é assentado o pacto da democracia é a tolerância. O que está ocorrendo, neste momento, inclusive em Roraima, com protestos de fechamento de estradas, é a não aceitação desse pacto que sustenta a democracia, cuja intolerância continua reinando absoluto.
Não faz muito tempo, antes de o bolsonarismo chegar ao poder, os que hoje estão se valendo de bloqueios de estradas eram os mesmos que classificavam as greves e os protestos de servidores públicos e de outras categorias como “baderna” e de um “movimento de desocupados”. Agora, quando chegou o momento da alternância de poder, legitimamente respaldada pelo voto, querem subverter a democracia sob a falsa bandeira de uma pretensa liberdade.
O instrumento usado para convencer os incautos e os exaltados picados pela mosca do extremismo é uma poderosa rede de fake news, uma engenhosa fábrica de mentiras, as quais chegam aos grupos de WhatsApp espalhando pânico e terror, tentando legitimar um protesto nacional que iria culminar com uma suposta intervenção militar. Há um delírio sendo disseminado.
A situação chegou a um nível tão vexaminoso que os protestos de tranca-estrada e tranca-fronteira passaram a ser chamados de “liberdade de expressão”, ignorando e atropelando quaisquer outros direitos, como o da liberdade de ir e vir daqueles que precisam seguir sua vida normalmente respaldados pela democracia.
É por isso que esse movimento da cegueira e da intolerância não pode prosperar, pois ele atenta contra tudo aquilo que a Humanidade superou, ao longo do século sob sangrentas batalhas, para manter a liberdade das pessoas e sustentar a democracia como modelo mais adequado para reger as relações entre os governantes e governados sem que seja necessário morrer ou matar.
*Colunista