Jessé Souza

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A violência contra a mulher como um problema histórico que precisa sempre estar em debate

Jessé Souza*

A violência contra a mulher é um grave problema que envolve vários fatores difíceis de serem discutidos, explicados e combatidos. Porém, não se pode ignorar que está enraizado na cultura de um país estruturado com problemas históricos baseados no machismo advindo do patriarcado. Nisso as feministas têm toda razão. Mas envolve outras questões que passam pela impunidade, lentidão da Justiça e desestruturação da polícia, entre outros.

O caso de um médico neurocirurgião que agrediu a esposa, uma fisioterapeuta, na madrugada de domingo, em um bairro nobre, provocou revolta popular e reacendeu a discussão. E a complexidade do assunto já pode ser vista a partir dos comentários nas redes sociais, onde surgiram inclusive mulheres defendendo o médico e outras insinuando que a vítima poderia ter feito algo que pode ter legitimado aquela selvageria ou tivesse acionado o gatilho que enfureceu o agressor.

Por este viés, as próprias mulheres partem para a culpabilização da vítima, que é uma das formas de defender os agressores e legitimar a violência contra a mulher ao buscar argumentos e  justificativas para amenizar a culpa do agressor a partir de sua posição social. No caso do médico, ele é considerado um excelente profissional, fato este usado por quem o conhece para amenizar sua culpa e alegar um surto momentâneo para aquela brutalidade registrada por uma câmara de vigilância de uma casa vizinha.

Nada justifica a violência, ainda que tenha havido um alegado motivo e o agressor seja alguém de invejável currículo profissional.  E isso inclui o ciúme, a sensação de posse como se fosse um objeto, a necessidade de controlar a vida da pessoa e a concepção de que a mulher deve satisfazer o homem quando ele bem entender.

São o machismo e o patriarcado na sua expressão máxima, culturas estas passadas de geração em geração, alimentadas por uma sociedade dominadas pelo mundo masculino, as quais precisam ser discutidas para que desta forma seja combatida pela sociedade usando todos os seus recursos, inclusive no banco da escola se preciso for.  

Mas o fim de semana prolongado foi marcado por outro caso igualmente absurdo, também no domingo, mas no São Vicente, um bairro predominantemente de classes menos favorecidas, onde uma jovem foi agredida pelo marido por ela ter se negado a ter relações sexuais quando ela chegou do trabalho.

Conforme a matéria policial, o rapaz não aceitou o argumento de que a esposa estava cansada ao chegar do trabalho, dentro da concepção de que a mulher deve satisfazer o homem a qualquer momento dentro de um matrimônio. E isso significa que a violência contra a mulher ultrapassa a questão de classe social.

Um homem maduro, com currículo invejável de neurocirurgião, que espanca e arrasta a mulher pelos cabelos por ciúmes (ele alega suposta traição) após uma noite de farra. Um jovem assalariado, sem currículo de nível superior a apresentar, que agrediu a esposa porque ela se negou a satisfazer seus desejos sexuais momentâneos após um dia de expediente no trabalho.

As duas faces de uma mesma moeda que aflige a sociedade, colocando o sexo feminino como vítimas de um grande mal muitas vezes invisíveis aos olhos do público, uma vez que a violência não é só física.  Porém, quando se trata de alguém abastado logo surgem defensores, os quais encontram um jeito de justificar a violência.

O problema da violência contra a mulher, então, encontra abrigo naqueles que relativizam a barbárie a partir da posição social do agressor, enquanto não hesitam em pedir a cabeça se o agressor é um pobre lascado qualquer, ainda mais se for um negro ou indígena.  Se quisermos combater esse grande mal, então precisamos parar de relativizar a violência.

Qualquer violência contra a mulher precisa ser combatida e punida com o rigor da lei, seja o agressor um doutor ou um assalariado.  É necessário ainda rechaçar qualquer comportamento de políticos e autoridades que incentivam agressões e ataques a mulheres, como vimos nos últimos anos, normalizando as violências moral e de gênero.

E não se pode tolerar governos que se omitem. Não faz muito tempo, houve o caso de uma autoridade exonerada pelo secretário da Saúde, após suspeita de irregularidades e sob acusação de assédio sexual. Além de ter sido reconduzido, acabou nomeado como o novo secretário de Saúde, o qual acabou sendo alvo da operação da Polícia Federal no mesmo caso do dinheiro na cueca.

Enfim, esse tema complexo precisa estar em pauta permanentemente, com os governos pressionados a adotarem políticas e medidas para prevenir, combater e punir quaisquer tipos de violência contra a mulher, incluindo o assédio moral e sexual.  

Já se sabe que os políticos só agem quando monitorados e pressionados. Por isso, a sociedade não pode aceitar a omissão das autoridades, muito menos atos públicos e recorrentes que incentivam a violência contra a mulher e o desprezo pelo sexo feminino.  Os políticos precisam ser exemplos acima de qualquer suspeita. Se assim não for, essa guerra estará perdida.

 *Colunista