A violência urbana oculta pela política de dificultar o registro das ocorrências policiais
Jessé Souza*
No Bloco D do Hospital Lotty Iris em Boa Vista, que é conveniado ao Governo de Roraima por meio do Sistema Único de Saúde (Sesau), está hospitalizado um morador do bairro João de Barro, na zona Oeste da Capital, junto aos demais pacientes que sofreram fraturas e esperam por cirurgias.
O paciente foi vítima de um assalto em frente de sua casa, por volta das 21h30 de quarta-feira passada, quando foi agredido a pauladas por um criminoso de moto, que se passava por entregar carregando uma bolsa térmica para simular que se tratava de um motoboy. O meliante levou o celular da vítima.
Ao se defender da agressão a pauladas, o morador sofreu fratura nos dois braços ao tentar evitar que fosse golpeado na cabeça, o que teria sido uma agressão fatal. Ele só não foi morto porque um vizinho acabou aparecendo na hora e reagiu ao ataque do bandido. Agora, a batalha é na fila de espera pela cirurgia.
Esse cidadão foi apenas mais uma vítima da violência urbana que se abate sobre a Capital em que muitos casos sequer chegam ao conhecimento da polícia. Quando a pessoa busca ajuda, começa uma ação orquestrada para dificultar o registro do caso, a começar na hora da chegada da Polícia Militar (quando chega, é verdade), que exige tanta informação a ponto de fazer a vítima desistir.
Não se trata de uma negligência no atendimento ou falta de estrutura qualquer. Na verdade, dificultar ao máximo que seja registrado significa menos casos registrados nas estatísticas oficiais, fazendo com que os dados se apresentem como se a violência estivesse sendo reduzida ou simplesmente não existisse.
No governo anterior, a tática foi outra. Tentaram evitar que a imprensa tivesse acesso às ocorrências policiais para que os casos não fossem divulgados a fim de evitar que a sociedade recebesse informações sobre a crescente criminalidade, construindo a fachada de uma aparente redução da violência. A lógica era óbvia: se não sai nos jornais, é porque não existe.
Conforme o morador que foi vítima da tentativa de latrocínio, o bairro João de Barro está tomado pela ação de bandidos, os quais se sentem livres para agir devido à ineficiência do policiamento ostensivo e à impunidade que se constrói ao não registro da maioria dos casos, cujas vítimas sentem-se desencorajadas a denunciar e desacreditas por não terem dados suficientes.
As vítimas são questionadas a tal ponto que precisam apresentar no mínimo duas testemunhas (há relatos de que já pediram até dez!), características do bandido e do veículo utilizado, além de vários outros dados, a ponto de parecer que a polícia deseja que o cidadão faça o papel investigativo no lugar dos agentes públicos.
Os fatos indicam a existência de uma estratégia visando dificultar ao máximo que os casos entrem para as estatísticas, especialmente os assaltos corriqueiros em via pública e furtos a residências durante o dia e a noite, os quais não despertam sequer o interesse da imprensa, obviamente, porque a mídia vive de casos inusitados ou de grande repercussão.
No assalto ao morador do João de Barro que teve os dois braços fraturados, sequer a polícia apareceu até hoje para buscar informações, enquanto a família está preocupada neste momento pela cirurgia e o restabelecimento de sua saúde. Ou seja, até este exato momento não entrou em nenhuma estatística da violência, a não ser na estatística da fila de espera do Sistema Único de Saúde (SUS).
Enquanto isso, a violência urbana segue oculta no vácuo das vítimas forçadas a silenciar de alguma forma e na ausência dos dados que esconde da sociedade a realidade das ruas nos bairros mais afastados do Centro, enquanto as polícias se escoram em uma política de governo que não tem interesse em encarar de frente os problemas imediatos da população com menor poder aquisitivo.
*Colunista