Projeto milionário privilegia até esportes norte-americanos de elite, mas ignora o Museu de Roraima
Jessé Souza*
No pacote milionário de obras anunciado pelo Governo do Estado para o Parque Anauá, o que mais surpreende é que não consta absolutamente nada sobre a reforma ou reconstrução do Museu Integrado de Roraima (MIRR), desativado desde 2011. Dentro dos R$120 milhões previstos, há projetos até para construção de estrutura para esportes estrangeiros de elite, como campos de futebol americano, de rugby, de basebol e de golfe. Mas, nada de Museu!
A situação do MIRR é mais que ultrajante. Não se trata de um descaso governamental puro e simples. Acabar com o Museu faz parte de um projeto antigo dos políticos locais como proposta de renegar a Cultura e a História, cuja base são os povos indígenas. A mais arrojada das tramas foi colocada em prática pelo então governo Bolsonaro, que tentou eliminar os Yanomami de forma direta, como projeto para abrir caminho definitivo para a legalização do garimpo.
Deixar o Museu fechado é uma estratégia bem estudada da elite política e econômica local, cujo eleitorado é expressivamente anti-indígena. Caso fosse um local que servisse para expor maquinários e artefatos do agronegócio, com certeza o governo local e demais políticos já teriam feito de tudo para reconstruir o MIRR a fim de que seus símbolos de dominação social, cultural e econômica estivessem em grande evidência.
Permitir que se deteriorasse aquele prédio histórico para a arquitetura local que abrigava o Museu fez parte dessa estratégia, que é colocada em prática a cada governo sem compromisso com a cultura local e, principalmente, com os povos indígenas. E fechar o Museu, sem destinar outro local ainda que provisoriamente, foi apenas mais uma etapa desse genocídio cultural, histórico e científico.
A destruição de tudo começou com a descaracterização e eliminação das obras arquitetônicas e o paisagismo do Parque Anauá erguidas na década de 1980, quando ali se tornou o maior parque urbano da região Norte, reunindo à época a expressão máxima da Arquitetura Moderna roraimense. Sob o silêncio e a omissão de todos, principalmente dos estudiosos da área, pouca coisa ou nada restou, a exemplo do prédio do MIRR.
E o novo projeto do Governo do Estado vai terminar de sepultar a História que ainda resta, renegando a posição importante do Museu que tem um papel importante para dialogar com a cultura, o esporte, o lazer e as belezas naturais que por lá ainda existem. Mas querem matar o que tiver de resquício de tudo que lembre o passado ancestral indígena como base de nossa cultura.
Alguém precisa ser responsabilizado por isso. São quase 12 anos do fechamento do Museu. Mas quem irá cobrar, se os órgãos fiscalizadores e entidades culturais, artísticas e científicas estão de rabinho entre as pernas? Cadê, você, Ministério Público?! É preciso entender que o MIRR tem (ou tinha) um papel muito mais amplo do que expor, proteger e estudar a cultura indígena, embora ela seja inegavelmente a base.
O Museu vinha cumprindo um imprescindível papel desde sua inauguração no Parque Anauá, em 1985, desenvolvendo atividades em várias frentes, além da história, como botânica, zoologia, etnologia, arqueologia e até reunindo arquivos científicos de referência, quando chegou inclusive a suprir a falta de centros de pesquisa no Estado, ao produzir artigos e documentos divulgados no Boletim do MIRR. Mas tudo isso parece ter sido destruído ou silenciado.
Os fatos indicam que o atual governo seguirá com o velório, ao construir estrutura para esportes enlatados norte-americanos, sem mesmo haver um espaço adequado para o futebol e outros esportes populares. Um parêntese: coincidentemente, foi para o país norte-americano que o líder dos bolsonaristas fugiu antes mesmo de terminar o seu governo.
Da mesma forma que a atual administração quis priorizar o garimpo (aprovando leis que legalizavam a exploração de ouro com mercúrio e que impediam a fiscalização e destruição de maquinários de garimpeiros), a proposta que parece bem explícita é a de enterrar de vez a História e a Cultura locais, se possível deletando os povos indígenas.
Segue o cortejo fúnebre…
*Colunista