Jessé Souza

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Os rastros reluzentes do ouro da morte e o projeto de genocídio articulado abertamente

Jessé Souza*

As notícias diárias sobre as operações da Polícia Federal relacionadas ao garimpo na Terra Yanomami e à comercialização do ouro ilegal extraído daquela terra indígena mostram uma conexão interestadual, com participação inclusive de parentes de políticos ou dos próprios políticos, e movimentação bilionária do dinheiro proveniente da compra e venda do “ouro da morte”.

Para quem acompanha esta Coluna tais dados não são nenhuma surpresa, pois o garimpo ilegal é um tema recorrente que vem sendo tratado com destaque. Para as autoridades locais também não se trata de algo desconhecido, pois as organizações indígenas e lideranças Yanomami sempre recorreram à imprensa e às redes sociais para denunciar e pedir socorro aos órgãos e entidades.

No entanto, as autoridades estaduais não estavam se importando com o que se passava com os Yanomami, especialmente no ano eleitoral, quando a própria Assembleia Legislativa realizou, no mínimo, duas audiências públicas com a exclusiva finalidade de pedir a legalização do garimpo. E nada se falou sobre a situação dos indígenas, muito menos com relação aos crimes contra o meio ambiente.

Ao contrário, aquela Casa legislativa aprovou a lei estadual do garimpo e a lei que impede os agentes estaduais de fiscalizarem e apreenderem equipamentos e maquinários de garimpo, as quais foram sancionadas com festa pelo governador em solenidade pública na Praça do Centro Cívico.

Antes e durante a campanha eleitoral, um candidato a deputado federal, que é um empresário de garimpo declarado, o qual inclusive vem sendo alvo de seguidas operações da PF, não se intimidou com as investigações e fazia carreatas abertamente em apoio ao garimpo ilegal, inclusive levando a reboque um helicóptero emperiquitado de verde e amarelo que havia sido apreendido em uma dessas operações policiais.

Enquanto isso, a degradação ambiental avançava nos principais rios do Estado, os índios padeciam de doenças tratáveis e morriam em conflitos com garimpeiros, bem como avançavam a circulação de minérios, a movimentação bilionária de dinheiro e esquemas de lavagem de dinheiro em vários estados.

No rastro do “ouro da morte” iam ficando as desgraças. O relatório Missão Yanomami, do Ministério da Saúde, mostrou que a mortalidade de bebês Yanomami antes de completarem um ano de idade, ainda em 2020, superou a registrada em Serra Leoa, país que tem o maior índice de mortes de bebês do mundo. Só aí dá para perceber que realmente era um projeto de genocídio colocado em prática.

Conforme o documento, naquele ano, nas terras indígenas, a taxa alcançou 136,7 mortes a cada mil nascidos, contra 78,2 na nação africana. As principais causas para a taxa foram: doenças preveníveis; falta de acompanhamento pré-natal pelas mães; falta de assistência médica e remoção de indígenas; e desnutrição materna e infantil.

Em 2020 morreram 126 bebês Yanomami antes de completarem um ano. A partir de 2018 até o ano passado, foram registrados 505 óbitos, dados estes que podem ser muito piores, uma vez que faltam alguns dados de 2021 e 2022. Enquanto isso, informações do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), apontam que 78 unidades de atendimento na Terra Yanomami foram desativadas devido às atividades dos garimpeiros.

Neste período, pipocaram denúncias de que agentes de saúde indígena estavam vendendo remédios para malária e vacina contra Covid-19 por ouro para os garimpeiros, inclusive com casos de agentes largando a profissão para montarem comércio dentro das áreas de garimpo próximas às aldeias. E tudo divulgado pela imprensa e comentado aqui, nesta Coluna.

Atualmente, enquanto a PF faz operações para desarticular os esquemas milionários e as ações ocorrem para acabar com o garimpo ilegal, as autoridades estaduais não se intimidaram em colocar a cara para sair em socorro imediato aos garimpeiros, inclusive uns protestando na imprensa contra a destruição e queima de aeronaves e barcos.

Tudo está bem às claras, mostrando quem é quem neste grande mosaico do garimpo ilegal e do projeto de genocídio dos Yanomami. O que se espera é que a PF chegue aos cabeças dos esquemas milionários e que a Justiça puna todos os responsáveis pela tragédia dos indígenas. Nunca os crimes foram cometidos de forma tão escancarada quanto agora. Porque todos têm certeza da impunidade.

*Colunista