A importância da Operação Ikaros para impedir que um poder paralelo se apodere do Estado
Jessé Souza*
Embora o caso esteja sob sigilo decretado pela Justiça, a Operação Ikaros deflagrada na quarta-feira,15, pela Polícia Civil, traz à tona algumas questões, a começar pela cooptação do crime organizado de agentes do Estado para que integrassem uma milícia armada. Tal grupo criminoso acaba se instalando onde a corrupção campeia na sociedade, com o surgimento de um poder paralelo que desafia os poderes constituídos.
O fortalecimento de uma milícia, em Roraima, é produto de instituições entremeadas pela corrupção sistêmica na política, da ação de grupos criminosos que se apoderam do garimpo ilegal e de facções do crime organizado que passam a atuar neste limbo criado pela permissividade dos esquemas que movimentam muito dinheiro, drenado dos cofres públicos, da comercialização do ouro ilegal e do tráfico de droga.
Os noticiários da mídia nacional nos últimos dias têm mostrado indícios da ligação da corrupção na política com os crimes praticados no garimpo ilegal, seja a partir do desvio de recursos destinados à saúde do povo Yanomami, seja do montante bilionário advindo da comercialização do ouro ilegal da terra indígena com articulação em vários estados.
A Operação Ikaros investiga o caso da morte de um policial militar durante a tentativa do furto de uma aeronave que supostamente atuava no garimpo ilegal, em setembro de 2022. São acusados de integrar o grupo miliciano três policiais militares, um policial civil, um policial penal, um ex-militar do Exército, além de outras pessoas civis.
Só aí é possível perceber a extensão do grupo composto por agentes públicos pagos para atuar na segurança pública, para defendendo a sociedade, mas que agora estão respondendo à acusação de integrar uma milícia fortemente armada, com envolvimento em homicídios, sequestros e assalto. Um verdadeiro poder paralelo que se fortalecia.
O ponto positivo deste episódio é que a Polícia Civil está desarticulando o grupo e mostrando à sociedade que está imbuída do propósito de limpar a segurança pública dos que se prevaleciam de suas funções para servir ao crime organizado, o qual se fortaleceu junto com o avanço do garimpo ilegal na Terra Yanomami.
Importante destacar que, quando as autoridades não agem, esse poder paralelo altamente perigoso se enraíza na sociedade e começa atuar no vácuo dos poderes constituídos. É por isso que o combate à corrupção na política também é imprescindível para desratizar o Estado, entregue a esquemas antigos e sistêmicos como se tem visto na saúde pública, por exemplo.
Esta é a importância da Operação Íkaro, a de impedir que as forças policiais e outras instituições sejam contaminadas por bandidos travestidos de agentes do Estado. Agora, é necessário que a política também seja descontaminada, a começar pelos escândalos que estão vindo à tona a partir das operações da Polícia Federal no combate ao garimpo ilegal.
Afinal, o garimpo ilegal tem o nefasto poder de reunir as mais diversas atividades criminosas em seu entorno, se misturando com a corrupção na política, além da violência e criminalidade, do tráfico de droga e de armas, da evasão de divisas, da destruição do meio ambiente e da mortalidade dos indígenas. Milícias são filhotes híbridos do garimpo ilegal, crime organizado e corrupção na política.
*Colunista