Fatos colocam sob suspeita a participação na Comissão sobre os Yanomami e garimpeiros
Jessé Souza*
A ida do senador Chico Rodrigues (PSB) à Terra Indígena Yanomami, na segunda-feira de Carnaval, sem qualquer autorização ou acordo prévio com os órgãos e instituições que estão à frente das ações de combate à crise de saúde, reflete sobre como age e pensa a maioria dos políticos roraimenses a respeito da questão indígena e sobre qualquer outro assunto de interesse coletivo.
O senador não foi o primeiro a agir dessa forma nem será o último. Desde que os políticos tentam legalizar o garimpo em terras indígenas, a partir da década de 1990, foi desse mesmo modo que eles agiram, indo às comunidades indígenas simular que estavam consultando as comunidades depois de armarem reuniões apenas com pequenos grupos de indígenas cooptados.
É também desta maneira que os políticos cooptam lideranças indígenas para defender o garimpo, protestar contra a demarcação de terras e, mais recentemente, fazer protestos em favor do golpismo em frente do quartel do Exército. Os políticos acham-se livres para agirem em favor de seus próprios interesses, incluindo o garimpo, ou de grupos poderosos, a exemplo dos madeireiros.
Eleito pelo Senado como presidente da Comissão Temporária Externa para acompanhar a situação dos Yanomami e a retirada dos garimpeiros (CTEYANOMAMI), Chico Rodrigues precisa explicar a ida à terra indígena sem que os demais integrantes da Comissão soubessem e muito menos sem que os próprios indígenas tivessem sido comunicados. E usando uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB).
Na verdade, a nomeação do parlamentar para presidir tal Comissão sequer deveria ter ocorrido, assim como qualquer outra função importante deveria ser assumida sem antes da conclusão da investigação na qual ele foi flagrado tentando esconder R$33 mil na cueca durante a Operação Desvid-19, deflagrada pela Polícia Federal em 14 de outubro de 2020, ao apurar o desvio de R$ 20 milhões em emendas parlamentares destinados à Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) para o combate a Covid-19.
Naquele momento, ele era vice-líder do então governo Bolsonaro no Senado, cujo mandato conquistado durante a onda bolsonarista iniciou com a polêmica nomeação de um parente do então presidente em seu gabinete, Léo Índio, que supostamente iria trabalhar como “caçador de comunista” pelo país, assunto este amplamente divulgado pela imprensa nacional.
No entanto, a morosidade com que os casos envolvendo políticos são tratados no país, os fatos vão ocorrendo e sendo esquecidos até que os processos envelheçam nas gavetas do Judiciário, assim como ocorreu com o parlamentar, quando passou por situações na Câmara Federal, como o caso do café no Sul do Estado, em 2009, e o caso da “farra dos combustíveis”, em 2006.
Em sua biografia consta inclusive uma cassação de mandato. Nas eleições de 2010, Chico Rodrigues deixou o quinto mandato consecutivo como deputado federal para se candidatar a vice-governador na chapa do então governador Anchieta Júnior, já falecido. Anchieta deixou o cargo de governador para disputar o Senado, em 2014, quando Chico Rodrigues assumiu como governador e teve o mandato cassado por irregularidades cometidas pela chapa nas eleições de 2010.
Além de tudo isso, no mínimo o senador Chico Rodrigues deveria se considerar sem isenção para presidir a Comissão Yanomami do Senado diante das denúncias que pesam contra ele feitas por lideranças e organizações indígenas, as quais foram feitas à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal em Roraima, entre 2018 e 2019, dando conta de que uma aeronave pertencente a ele atuava no garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, as duas maiores de Roraima.
Em quatro denúncias, consta que o avião de prefixo PT KEM, que naquela época era de propriedade do senador Chico Rodrigues, um declarado defensor do garimpo, entrar diversas vezes em garimpos nas terras indígenas. Naquele tempo, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) confirmou que esta aeronave pertenceu ao político no período de 13 de junho de 2011 a 28 de fevereiro de 2018.
Portanto, os fatos demonstram que o senador no mínimo não tem qualquer isenção para presidir esta Comissão, a qual tem uma missão importante para o país e para o mundo neste momento de tragédia enfrentada pelo povo Yanomami e da saída em massa de garimpeiros da terra indígena. O mais sensato e correto é o parlamentar renunciar a este cargo, antes mesmo de se explicar sobre sua entrada não autorizada ao território indígena com uso de uma aeronave da FAB.
*Colunista