Os discursos e as práticas revelam como os políticos tratam os povos indígenas
Jessé Souza*
O comportamento do governador de Roraima, Antonio Denarium, a respeito dos povos indígenas segue a mesma linha de como os políticos locais pensam e agem a respeito da questão, conforme foi comentado no artigo de ontem, nesta Coluna. No caso do chefe do Executivo roraimense, suas práticas têm sido controversas, mostrando duas faces do governo: uma de ações voltadas aos indígenas, e outra contra os direitos dos povos originários.
Nos últimos dias, depois das desastrosas declarações na imprensa nacional sobre os Yanomami, seguidas de uma operação da Polícia Federal que teve dois familiares do governador como alvo, sob suspeita de comercialização de ouro ilegal na Terra Yanomami, Denarium tem entrado numa frenética corrida midiática para mostrar que sua administração apoia os indígenas e que ele tem tomado decisões para favorecê-los, especialmente no apoio a agricultura.
No entanto, os fatos desfavoráveis ainda produzem ecos até hoje e não podem ser esquecidos. Em novembro de 2021, enquanto o país já assistia à situação desesperadora do povo Yanomami por causa do garimpo ilegal, o governador Denarium decidiu criar uma crise na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde as comunidades indígenas tentavam monitorar a entrada de mantimentos, combustíveis e cachaça para as áreas de garimpo também ilegal.
Mesmo não sendo obrigação da Polícia Militar, viaturas foram enviadas para aquela área com a missão de coibir um posto de monitoramento montada na Comunidade Tabatinga, no Município do Uiramutã, sem qualquer decisão judicial. As ordens dadas para o Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM foram com base em uma liminar anterior, de agosto daquele ano, em que a um juiz estadual determinara o desbloqueio das rodovias RR-171 e RR-319.
Mesmo sem qualquer decisão judicial sobre aquele novo posto de monitoramento indígena, dez viaturas e um carro do Corpo de Bombeiros foram enviados para a operação, que deixou não apenas indígenas feriados com tiros de arma de fogo, mas também policiais. E tudo isso enquanto a Capital passava também por momentos delicados de violência, diante do crime organizado agindo na cidade.
Antes disso, no início do seu governo, em 2019, quando ninguém ainda falava sobre redução de ICMS visando baixar o preço da gasolina nos postos de gasolina, em maio daquele ano Denarium assinou o Decreto 26.893-E que reduziu para 3% o ICMS sobre combustíveis usados em aeronaves. A alegação é de que iria favorecer a abertura de novos voos de empresas aéreas e baratear o preço das passagens aéreas, mas acabou beneficiando donos de aviões que faziam voos para garimpos ilegais em terras indígenas.
Como também é de domínio público, Denarium sancionou duas leis, uma que legalizou o garimpo fora de terras indígenas e outra que impede as forças policiais e órgãos ambientais estaduais de participarem de ações repressivas contra o garimpo. Com essa lei, os agentes do Estado ficaram proibidos inclusive de destruírem maquinários apreendidos, os quais devem ser devolvidos aos proprietários como fiéis depositários.
Embora tais legislações não alcançassem o garimpo em terras indígenas, elas ajudaram a incentivar a ação de garimpeiros e a criar uma falsa sensação de que o garimpo poderia ser legalizado, fomentando o avanço da garimpagem no Estado e agradando os empresários que sustentavam a ilegalidade. Tudo isso em consonância com as decisões do então governo Bolsonaro que agia no Congresso para aprovar projetos que abrandavam as leis ambientais e tentavam abrir as terras indígenas para a mineração.
As reclamações de lideranças e entidades indígenas estendem-se por outras áreas, como na Educação, onde o governo tem abandonado as escolas nas comunidades indígenas, a maioria construída há 30 anos, em situação crítica, além de outras funcionando debaixo de árvores ou em locais improvisados. Emendas parlamentares da então deputada Joenia Wapichana foram destinadas para reformar e ampliar estas unidades, mas o governo até hoje continua agindo na morosidade para executar as obras.
Por último, depois de reeleito, o governador esvaziou a Secretaria Estadual do Índio (SEI) e a deixou sem um titular, com o provável propósito de extinguir aquela pasta ou torná-la um penduricalho de outra secretaria, sob o protesto de lideranças indígenas, inclusive que reclamavam que suas comunidades não estavam sendo beneficiadas com os projetos agrícolas tão divulgados pelo governo.
A crise dos Yanomami começou logo em seguida após o desmanche da SEI, fazendo com que Denarium voltasse atrás diante de suas desastrosas declarações, inclusive renomeando o secretário que é ligado a família de grandes produtores rurais, mas sem qualquer intenção de nomear um indígena, como é a reivindicação de entidades indígenas.
Portanto, as práticas e os pensamentos dos políticos realmente revelam o que eles acham e como agem na questão indígena em Roraima. De outro modo, as declarações à imprensa nacional sobre os Yanomami retratam fielmente o que o governador pensa sobre eles, enquanto as ações do seu governo estão aí para quem quiser ter uma ideia de como os povos indígenas são tratados, enquanto as ações favoráveis de governo são pífias.
*Colunista