Jessé Souza

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Saúde pública é uma bomba-relógio, com contratos terceirizados e médicos ameaçando parar

Jessé Souza*

O feriadão do Carnaval na saúde pública foi marcado por superlotação no atendimento de urgência e emergência na Policlínica Cosme e Silva, na zona Oeste da Capital, com poucos profissionais para atender à demanda, muitos dos pacientes imigrantes venezuelanos. Com enorme fila de espera, na Quarta-feira de Cinzas, os doentes recebiam medicamento para dor, especialmente omeprazol, e eram dispensados sem sequer ser realizado um simples exame de sangue.

Mas esta é apenas uma ponta do que está ocorrendo na saúde pública e do que está por vir, com médicos da rede estadual com indicativo de greve e protestos com nota pública de profissionais da maternidade, a qual está funcionando de maneira improvisada debaixo de tendas, desde junho de 2021, tendo como resultado a morte de 221 bebês com menos de 1 ano durante o ano passado e, em janeiro deste ano, como 28 óbitos de recém-nascidos notificados.     

A Associação de Ginecologia e Obstetrícia de Roraima se manifestou publicamente afirmando que estão querendo responsabilizar os profissionais pelo escandaloso número de crianças mortas, que até agora não alarmou ninguém.  Conforme a entidade, o problema está diretamente ligado ao modelo de gestão adotado, e não da conduta médica, mediante uma política de saúde equivocada que se estende por todos os segmentos assistenciais.

A grande questão é que a gestão da Saúde do Governo do Estado tem adotado medidas erradas, acreditando que contratar empresas de fora para realizar cirurgias resolveria os problemas. No entanto, conforme os médicos, essas empresas terceirizadas enviam profissionais para realizar cirurgias ortopédicas e cesarianas, levam uma grande soma de dinheiro embora e deixam os pós-operatórios e complicações para a rede pública cuidar, muitas vezes tendo que refazer cirurgias, a exemplo da ortopedia.

Na maternidade, a realidade é muito preocupante, pois além dos procedimentos do dia a dia (histerectomias  e 17 cesarianas diárias), os médicos ginecologistas ainda ficam responsáveis por tratar das sequelas das cirurgias passadas, realizadas por profissionais de fora, e outras doenças cirúrgicas que não estão no contrato terceirizado. No sábado de Carnaval, por exemplo, havia 20 cesarianas indicadas para apenas três médicos realizarem, o que é humanamente impossível.

O problema se repete em toda rede pública, especialmente depois que implodiram a prestação de serviço feita pela Coopebras, com operação policial e prisão de médicos. Com a piora no atendimento,  durante a campanha eleitoral a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) aumentou o salário dos médicos com pagamento por produtividade. No entanto, encerrada a eleição, a produtividade foi cortada sob a alegação de que a lei proíbe.

É como se durante os meses de campanha eleitoral houvesse permissão da lei ou que estivesse em vigor uma outra legislação. Basta pesquisar no Portal da Transparência para fazer uma comparação do salário dos médicos durante aquele período eleitoral e o atual. É necessário que os órgãos de controlem expliquem esse fato à luz da legalidade, pois o que foi praticado durante o período de campanha mostra, no mínimo, que houve oferta de benefícios a servidores públicos, o que é vedado pela legislação eleitoral, com a folha de pagamento alcançando um valor estratosférico.

Com o protesto dos médicos, que começaram a fazer uma “operação tartaruga” nas cirurgias ortopédicas no fim do ano passado, conforme esta Coluna denunciou, e com a recente aprovação de uma paralisação decidida pelo Sindicato dos Médicos do Estado de Roraima (Simed-RR) em assembleia no dia 10 deste mês, o governo decidiu pagar os resíduos de  produção.

No entanto, as reivindicações dos profissionais médicos vão muito mais além, como pagamento de progressões, revisão salarial de 11% retroativo a 2022, revisão e pagamento de adicionais de qualificação, ativação do Conselho Estadual de Saúde e da Mesa de Negociação do Sistema Único de Saúde (SUS). Sim, nem o Conselho de Saúde funciona mais na atual administração!

Conforme os profissionais, como não existe uma bancada de oposição no Legislativo, a população acaba não tomando conhecimento do que está ocorrendo na saúde pública, não só em relação à conduta vedada no período eleitoral, como também a falta de estrutura na rede estadual de saúde, a exemplo da maternidade debaixo de lona, com o processo de terceirização de cirurgias feito de forma errada e a pressa em terceirizar o Hospital Geral de Roraima (HGR) por meio de uma Organização Social de Saúde (OSS), uma experiência que não deu certo em nenhum Estado que adotou tal sistema.

Trata-se de uma bomba em contagem regressiva armada na Saúde e que esta Coluna vem alertando desde o fim do ano passado.

*Colunista