Montanhas de recursos aos municípios e o protesto de quem continua com estradas intrafegáveis
Jessé Souza*
Mais um inverno está se aproximando, quando vários municípios do interior de Roraima enfrentam calamidades por causa das fortes chuvas. E as estradas de acesso que servem aos pequenos produtores rurais e moradores das vicinais seguem em condições ruins desde administrações anteriores. Mas esta constatação pretérita não serve de atestado para livrar os municípios e o próprio Governo do Estado de suas responsabilidades atuais.
Afinal, no ano passado, o governador Antonio Denarium (PP) abriu as torneiras dos cofres estaduais para distribuir recursos aos prefeitos do interior. Faltando 100 dias para as eleições, em junho, foram destinados R$70 milhões em recursos extras para 12 dos 15 municípios do interior, com autorização da Assembleia Legislativa de Roraima, amparado por decretos de calamidade pública oficializados pelos prefeitos por causa do inverno.
A coincidência é que 12 era o número de prefeitos aliados do governo naquele momento pré-eleitoral. E a robusta cifra seria justamente para as prefeituras enfrentarem os estragos do inverno, com estradas intrafegáveis por causa de atoleiros, pontes quebradas e bueiros destruídos, além de construção de desvios para garantir a trafegabilidade principalmente nas vicinais.
Logo em seguida, Denarium anunciou quase R$105 milhões em contratos do governo direcionados para obras e serviços nos 15 municípios do Estado, em 20 de junho, sem especificar nada, o que dificulta inclusive a fiscalização. O recurso seria para limpeza urbana, abertura e conservação de ruas em vilas, remoção de entulhos, demolições de prédios, limpeza de escolas e prédios públicos. Uma verdadeira bonança às vésperas das eleições.
Apesar de todo o imenso duto de recursos públicos direcionados aos municípios, moradores de várias localidades seguem até os dias atuais reclamando da situação das estradas, bueiros e pontes. Na Vicinal 8 do Município de Caroebe, a Sudeste do Estado, os moradores e produtores deram início a um protesto para cobrar o prefeito pela situação das estradas, inclusive chegando a impedir o tráfego de ônibus do transporte escolar.
Em vídeos compartilhados em grupos de mensagens e redes sociais, os manifestantes das vicinais prometem endurecer ainda mais o protesto, ameaçando realizar manifestação em frente à sede da Prefeitura de Caroebe. A revolta, a ponto de paralisar o transporte escolar, é porque as crianças estudantes estão em grande risco por causa da situação das estradas, com pontes deterioradas e bueiros estourados.
A revolta dos moradores é porque, no ano passado, o abandono da região pelas autoridades os obrigou a bancar com dinheiro do próprio bolso a construção de uma ponte da maneira. Nessa mesma Vicinal 8 de Caroebe, por três vezes uma ponte desabou com o peso de caminhão carregado com a produção local. Um verdadeiro tormento que se arrasta desde lá.
As fortes chuvas que caíram principalmente na região Norte do Estado, na noite de terceira e madrugada de quarta, expuseram as condições críticas das estradas no Município do Amajari. Onde está sendo construída uma galeria na estrada da Vila do Trairão, o volume de água mostrou que a obra está mal dimensionada, por isso não irá dar vazão às enxurradas comuns na região. Será um recurso mal aplicado, bem como mais dor de cabeça aos moradores, pois fatalmente haverá um alagamento da estrada a cada chuva mais forte.
Diante do quadro enfrentado pela população interiorana, os órgãos de controle precisam dar respostas sobre a aplicação da montanha de recursos direcionada aos municípios pelo Governo do Estado no ano passado. Os prefeitos precisam se explicar. Os vereadores também têm parcela de culpa, pois foram eleitos para fiscalizar a boa aplicação dos recursos públicos e muitos deles ficam no silêncio ou se esquivam de suas obrigações.
No Município de Normandia, as suspeitas da má aplicação dos R$5 milhões repassados pelo governo resultaram em um pedido de cassação do prefeito Weston Raposo (PSD), em fevereiro, sob alegação de falta de transparência nos gastos. Inclusive foram contratados os mesmos serviços realizados pelo Governo do Estado. O Tribunal de Contas do Estado (TCE-RR) havia multado o prefeito, em setembro do ano passado, por se negar a repassar informações.
Por tanto, há um quadro preocupante de um montante milionário que foi parar nos cofres dos municípios, ao mesmo tempo em que muito dinheiro foi anunciado em serviços pelo próprio governo nos mesmos municípios, sem que isso resultasse na melhoria das estradas e no bem-estar da população. E todo esse volume de recurso em um ano eleitoral. Há um escândalo que precisa ser urgentemente esclarecido, especialmente por parte dos prefeitos que estão sendo cobrados pela população.
*Colunista