Jessé Souza

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Uma mensagem na cabeceira da cama e os números alarmantes de suicídios

Jessé Souza*

Ao chegar a um hotel no Centro de Boa Vista, uma das recepcionistas disse que só havia um apartamento disponível localizado perto da entrada e, com um certo ar de apreensão, elas se entreolharam em um movimento instantâneo. Eu não entendi, de imediato, e imaginei que o comportamento delas poderia ser porque aquele quarto fica perto do fluxo da recepção e, portanto, suscetível ao barulho do ambiente e da rua. E aceitei a acomodação.

Somente mais tarde, depois de instalado no quarto, descobri que havia uma mensagem de despedida e pedido de perdão, escrita à mão, com caneta hidrográfica, na cabeceira da cama de madeira. Tratava-se do local onde uma jovem de 18 anos deu cabo à própria vida, em novembro do ano passado. Não tenho problemas em ficar naquele quarto, uma vez que meu temor é com os vivos de má índole, e não com os mortos.

Ao descobrir aquela mensagem, que mais se assemelha a um pedido de socorro, imediatamente me veio à mente a grande questão que se tornou o preocupante número de suicídios diante da incapacidade do poder público de enfrentar com competência e vontade política essa grande questão de saúde pública, em que a depressão e outros problemas inerentes à saúde mental são desprezados por falta de políticas públicas de verdade.

O problema é tão sério que o Estado de Roraima sempre vem aparecendo, nas estatísticas, como um dos que mais registra suicídios no país proporcionalmente. Inclusive, chegou a ficar em segundo lugar no levantamento feito pelo Ministério da Saúde (MS) entre os anos de 2007 e 2017.

Estudos com base nos dados epidemiológicos do Brasil apontam que Roraima apresentou uma taxa de morte por suicídio, no período de 2011 a 2015, maior do que a média nacional, tornando-se o Estado com a maior variação dessa taxa entre os homens e o segundo entre as mulheres; e a Capital, Boa Vista, aparece em primeiro lugar entre as capitais brasileiras (Fonte: “Suicídio, desigualdades e migração em Roraima: correlação a partir de um ‘rosto’”, Rosana Maria Luz Fernandes e Eliane Silvia Costa).

Do total de 16.840 mortes registradas naquele período de cinco anos, o suicídio foi responsável por 2% dos óbitos (355 casos), com o Coeficiente Bruto de Mortalidade Suicida (CBMS) de 8 mortes por 10 mil habitantes, cujos maiores índices recaem sobre os municípios de Bonfim (27 óbitos/10 mil hab.), a Leste, e Amajari (25/10 mil), ao Norte (Fonte: “Os óbitos por suicídio em Roraima – 2011 a 2015: a juventude e a etnia como fatores de risco?”, Valter, P.; Maia, R.; Souza, W.; Oliveira-Borges, E.)

Não há consenso sobre os motivos determinantes para estes dados alarmantes, mas sabe que o Estado vive uma realidade peculiar em grande ebulição, que envolve migração desordenada, a criminalidade geradas pelo tráfico de drogas, alcoolismo, garimpo e a violência contra a mulher, a questão indígena conflitante em suas terras e em contexto urbano, desagregação familiar, pobreza etc.

E ainda têm as famílias desagregadas, com pais vivendo do subemprego e mães solteiras em extrema dificuldade, tendo estes que se preocuparem diariamente e exclusivamente com a sobrevivência diária, sem tempo para acompanhar suas crianças na escola, alheios aos problemas dos adolescentes e jovens, despossuídos de afetos e círculo social necessários para suportar os desafios e problemas da vida.

Enfim, são vários os motivos que levam a explodir o número de suicídios, mas existe também a falta de políticas públicas e de empenho das autoridades em todos os níveis, especialmente nos municípios do interior, com destaque para aqueles que vivem a realidade dos jovens indígenas. Até mesmo os servidores públicos submetidos a jornadas intensas e trabalhos estressantes não conseguem apoio dos órgãos onde estão lotados, os quais são tratados como problemáticos, em vez de receberem apoio e acolhimento.

A assistência da Saúde Mental clama por prioridade em Roraima, em que a Unidade Integrada de Saúde Mental (Uisam), no Hospital Coronel Mota, acaba sendo sobrecarregada porque para lá é encaminhada a maioria dos atendimentos, alcançando 30 mil pacientes, enquanto boa parte dos municípios não consegue manter o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) com estrutura para acolher pacientes com transtornos leves, sobrecarregando os atendimentos nas unidades na Capital.

Enquanto não houver uma política de Saúde Mental organizada no Estado, inclusive com apoio da iniciativa privada, com cada ator cumprindo com sua parte, Roraima continuará encabeçando o ranking de suicídios, além de milhares de pessoas adoecendo com transtornos que podem levar a atitude extrema de tirar a própria vida. E isso pode ocorrer em qualquer família, seja pobre ou seja rica. O alerta vem sendo dado ano a ano, especialmente desde 2015.

*Colunista