Passou da hora de falar menos e trabalhar mais após quatro anos de fachadas
Jessé Souza*
É impressionante o cinismo com que determinados políticos trataram a vinda do presidente Lula da Silva (PT) ao Estado de Roraima, a segunda em quase dois meses e meio de mandato, com o claro posicionamento de confundir a opinião pública local, cuja maioria sabidamente é bolsonarista. E ainda existem aqueles que, em tom de preconceito, ironizam o fato de que as duas visitas foram para tratar da questão indígena diretamente com os principais interessados.
Foram quatro anos de governo Bolsonaro, com o então presidente repetindo que Roraima seria “a menina dos seus olhos”, mas não houve interesse dos políticos locais de usar esse suposto prestígio para resolver as grandes pendências que travam o desenvolvimento do Estado. Nem interesse político do próprio Bolsonaro com o Estado. Ao contrário, estavam todos aplaudindo a prioridade absoluta ao garimpo, cuja linha foi seguida pelo governo local, agindo rápido para aprovar duas leis para legar o garimpo fora de terras indígenas e dificultar a fiscalização por parte dos agentes estaduais.
O governador Antonio Denarium (PP), assim que reeleito no primeiro turno, tratou logo de gravar um vídeo, diante da expressiva votação bolsonarista no Estado, para comemorar em tom de deboche que o PT havia sido “erradicado em Roraima”. Mais recentemente, no final de janeiro, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, deu fortes declarações a favor do garimpo e, não satisfeito, ainda defendeu que os Yanomami deveriam “se aculturar” para que não ficassem mais “no meio do mato parecendo bicho”.
Diante desse quadro, com o explícito abandono da política indigenista em quatro anos de governo, com o avanço criminoso do garimpo ilegal sobre as terras indígenas, a morte de crianças e idosos Yanomami por doenças tratáveis, bem como o destroçamento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), nada mais justo do que o atual governo retomar a política indigenista por Roraima, um Estado explicitamente bolsonarista onde as comunidades indígenas votaram em peso no PT como um pedido de socorro.
O governo local, que havia feito sua opção pelo garimpo, tem muita culpa no cartório. Não se pode ignorar, ainda, que as escolas indígenas foram abandonadas pelo Estado, com os prédios caindo aos pedaços e sem transporte escolar, bem como a histórica falta de professores, problemas estes que só se agravaram nesses últimos quatro anos. Então, fica bem claro que foi montado um cenário de completa omissão e opressão à questão indígena, tanto no cenário estadual quanto federal, o que precisa ser reparado urgentemente.
Os políticos locais falam em falta de prestígio da bancada federal pelo governo Lula só porque não foram convidados a integrar a comitiva na visita a Roraima, mesmo sabendo que todos apoiam o garimpo e, no mínimo, ignoram as comunidades indígenas. Não havia o menor sentido em acompanhar a comitiva no bom estilo “papagaios de pirata”. Além do mais, o presidente Lula tem tratado das questões de Roraima com os deputados federais Maria Helena, Zé Catedral e Duda Ramos, os quais declararam apoio ao governo PT.
É fato que Roraima tem assuntos urgentes a resolver, a exemplo da crítica situação da BR-174, tema que foi solenemente ignorado pelo governo Bolsonaro, que nunca chegou a ser pressionado pela bancada federal de Roraima, muito menos pelo governador que sempre se declarou bolsonarista ferrenho. Por sua vez, na questão energética, a construção do Linhão de Tucuruí está sendo encaminhada e, com certeza, não sofrerá qualquer objeção por parte do governo petista.
O governo anterior também ignorou a questão da imigração venezuelana desordenada, sob o silêncio complacente dos mesmos políticos que hoje fazem alarde e externam cobranças como se atual governo não estivesse no comando do país apenas há menos de três meses. Da mesma forma que fez vistas grossas e ouvidos de mercador para as demais questões importantes para o desenvolvimento do Estado.
O governador, por sua vez, parece ter aprendido a lição. Sem novas declarações polêmicas e tentando se redimir, tratou de receber Lula com a entrega de uma revista sobre as ações do governo em favor dos indígenas. Até porque ele aprendeu a fazer política rapidinho, ao consultar na cartilha que “rei posto é rei morto”. Falta agora os demais políticos parar de fazer um show particular de horror e começarem a trabalhar realmente em favor de Roraima.
Os quatro anos que se passaram, de um então presidente que tratava Roraima como um queridinho somente da boca para fora, precisam ser recuperados. E todos os que criticam hoje precisam assumir sua “mea culpa”, em vez de ficarem com declarações com o nítido intuito de confundir a opinião pública. É hora de trabalhar mais e falar menos. Denarium já começou a fechar a boca.
*Colunista