Sempre é necessário relembrar o que eles fizeram no verão passado
Jessé Souza*
Como um dos grandes males que afetam a política e a cabeça dos eleitores é a amnésia seletiva, torna-se necessário relembrar o que os políticos roraimenses fizeram (ou deixaram de fazer) nesses últimos quatro anos, uma vez que alguns deles estão agindo como se não tivessem a menor culpa pelo que está ocorrendo com o Estado de Roraima neste exato momento. É como se houvesse um lapso temporal que os inocentassem dos seus atos e omissões. Aos fatos.
Enquanto o Estado de Roraima precisava de força política para destravar a questão energética, recuperar a principal rodovia federal (BR-174), enfrentar a imigração desordenada e encarar os graves problemas da saúde, educação e segurança pública, dois senadores de Roraima estavam batendo à porta do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para interceder por uma grande madeireira que teve apreendida, no Amazonas, uma carga de 226 metros cúbicos de madeira, avaliada em R$ 129 milhões (Fonte: Gazeta do Povo, 26/04/2021).
Aliás, o próprio Salles acabou sendo demitido do cargo após passar à condição de investigado pela Polícia Federal sob fortíssimas suspeitas de ter facilitado, a esta mesma empresa, exportar madeiras ilegais para os Estados Unidos. Ainda não se sabe quais as verdadeiras intenções de dois parlamentares roraimenses tentarem interceder por uma empresa investigada por exploração e exportação ilegais de madeiras derrubadas ilegalmente no Pará.
Bem antes disso, quando o país e o Estado de Roraima enfrentavam uma grave crise na saúde pública por causa da pandemia, um terceiro senador roraimense foi flagrado pela PF, em outubro de 2020, com R$ 33 mil na cueca. O dinheiro foi encontrado durante cumprimento de mandado de busca e apreensão na casa do parlamentar durante uma operação que apura um suposto esquema criminoso de desvio de recursos públicos para o combate à Covid-19 em Roraima.
O senador, então vice-líder do governo Bolsonaro no Senado, virou meme no país (Fonte: UOU 15.10.2020) por causa do dinheiro na cueca, enquanto a Saúde em Roraima vivia dias de grande tormento, com troca constante de secretários de Saúde, sob a esteira da denúncia de corrupção sistêmica no setor feita pelo primeiro secretário de Saúde nomeado pelo governador Antonio Denarium ao se demitir do cargo.
Na Câmara Federal, o cenário não foi menos preocupante. Um deputado passou seus anos de mandato costurando sua nomeação como ministro vitalício, após um de seus grandes feitos, junto com um senador, ter sido articular nomeações para os Distritos Especais de Saúde Indígena (DSEIs), cuja consequência final desta politicalha foi a grave crise sanitária do povo Yanomami, cuja terra foi invadida por milhares de garimpeiros.
Outro deputado federal só apareceu na mídia nacional após ser gravado abordando e questionando policiais militares que faziam uma blitz da Operação Lei Seca em São Miguel do Gostoso (RN), no litoral norte potiguar, durante feriadão de fim de ano. Embora seja policial rodoviário federal, ele criticou a realização da blitz alegando que o correto seria fazer, antes, campanhas educativas (Fonte: Tribuna do Norte, 31/12/2021).
A propósito, foi o mesmo parlamentar que negociou a nomeação para o Detran-RR, conforme noticiado nos bastidores políticos locais, visando as eleições municipais, cujo primeiro ato foi uma super blitz de trânsito, nas primeiras horas da manhã, que provocou um imenso congestionamento em Boa Vista, quando um condutor quebrou seu próprio veículo apreendido, em um acesso de fúria. Detalhe: e sem fazer nenhuma campanha educativa antes, como propôs seu tutor, o deputado do vídeo criticando PMs.
Na esfera estadual, a situação foi complicada, pois foram quatro anos de prisões, denúncias de peculato, briga pelo comando da Assembleia Legislativa e cassação, enquanto outros faziam audiências com garimpeiros e aprovavam leis favoráveis ao garimpo, inclusive com uso de mercúrio. Houve até um deputado que pegou uma motosserra para afrontar os indígenas que fecham a BR-174 para tráfego de carros de passeio durante a noite, na Terra Waimiri-Atroari. A comitiva para averiguar a situação da BR-174, deteriorada após anos de abandono, só surgiu agora, com anos de atraso.
Até mesmo na esfera municipal o caldo entornou. Embora a Câmara de Vereadores de Boa Vista tenha criado recentemente uma comissão para acompanhar a crise Yanomami, mesmo não sendo sua atribuição, os últimos anos foram de muita vergonha, com vereadores acusados de desacato a policiais, violência doméstica e até mesmo sob investigação de integrar o crime organizado e apoiar o tráfico de droga.
Há muito mais a ser relembrado, mas não há espaço para uma retrospectiva mais ampla. No entanto, os principais fatos destacados na mídia mostram que as prioridades de boa parte dos políticos foram seus próprios interesses e de seus grupos políticos. Como os maus políticos apostam sempre na amnésia, então é necessário sempre relembrar o que eles fizeram no verão passado.
Não se pode permitir que os políticos ajam como se os últimos quatro anos não tivessem existido na vida política deles, enquanto o então presidente do país passeava de moto pelo país e comia farofa com frango assado na beira da estrada.
*Colunista